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    Adolphe Klingelhoefer: a história do pioneiro que pôs Brasil nas Olimpíadas e foi herói na 1ª Guerra

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    Por Paulo Roberto Conde – São Paulo e Paris

    O barão Pierre de Coubertin, fundador do Movimento Olímpico moderno, e o COI (Comitê Olímpico Internacional) nasceram em Paris, no final do século 19. Quis o destino que um dos personagens mais importantes e esquecidos do esporte brasileiro também tivesse a capital francesa como berço, palco e local de repouso, em um enredo que só agora, 101 anos depois da primeira participação nacional como delegação em Olimpíadas, vem à tona.

    Adolphe Christiano Klingelhoefer nasceu à 1h de 2 de maio de 1880, em Paris, filho de um vice-cônsul brasileiro na cidade (Adolphe) que deixou o Rio de Janeiro em meados dos anos 1870 em meio à escalada dos negócios entre os dois países, principalmente os de café. Sua mãe se chamava América. Os pais moravam na Avenida do Trocadéro, 127, que por sinal foi onde ocorreu o parto. Foi o quarto de uma família de cinco irmãos, e esportivamente o mais destacado entre eles.

    Autêntico representante do que se costumava chamar de “sportman” da época, um homem com muitos talentos que era bom no atletismo, no rugby e no tênis. Magro e longilíneo, com cerca de 1,80m, rapidamente ganhou notoriedade como atleta do Racing Club, um dos mais tradicionais da Cidade Luz. Foi multicampeão e recordista nacional nos 110m com barreira, e também era bom em provas como os 60m, 200m e 400m.

    Por seus feitos, ganhou ampla cobertura de veículos de imprensa franceses, como a revista “La Vie Au Grand Air”, que circulou entre 1898 e 1922. “Dodo”, como costumava ser chamado na publicação, foi tema de diversas reportagens que cobriam suas vitórias em concursos na Inglaterra. Também era usado como exemplo para matérias mais didáticas, como uma em que ensina ao leitor os meandros das provas de barreira. Ainda ganhava espaço para escrever artigos sobre o esporte francês e outros relatos próprios de competições.

    Adolphe Klingelhoefer - Reprodução
    Adolphe Klingelhoefer – Reprodução

    Somente por isso, sua trajetória esportiva já seria digna de nota. Mas, na verdade, a história de Adolphe vai além. Porque, além de campeão, recordista e queridinho da mídia francesa, ele também era brasileiro.

    Assim consta desde seu nascimento, em sua certidão. Naquele tempo, vigorava a Constitução de 1824, cujo artigo 6º rezava que “são cidadãos brasileiros os filhos de pai Brazileiro, que estiverem em paiz estrangeiro em serviço do Imperio, embora elles não venham estabelecer domicilio no Brazil”. Os termos são reproduzidos à risca como estava na Carta-Régia.

    Documento da concessão da Legião da Honra a Adolphe  - Reprodução
    Documento da concessão da Legião da Honra a Adolphe – Reprodução

    De posse de sua nacionalidade brasileira, Adolphe competiu, então com 20 anos, no Concours Internationaux d’éxercises physiques et de sports que foi realizado em Paris em 1900, durante a Exposição Mundial. Pode parecer pouca coisa, mas o tal Concours englobou as provas de atletismo das Olimpíadas de 1900, as segundas da chamada era moderna – as primeiras haviam sido em Atenas, em 1896.

    Naqueles primórdios, os Jogos Olímpicos eram amadores ao extremo, não geravam receita e tinham de ocorrer em meio a essas Exposições Mundiais para se tornarem viáveis – ninguém fazia muita questão de ver os esportes.

    – O que que eram as feiras mundiais? Num mundo em que você se locomove por navio e estrada de ferro, a única maneira de conhecê-lo sem internet, sem telefone, sem televisão, sem cinema era trazendo o mundo para a cidade. Imagine que a gente não tinha cinema. Essas feiras universais eram onde os países se organizavam, se apresentavam, eram apresentados e faziam grandes negócios – afirmou a psicóloga e historiadora Katia Rubio.

    Adolphe competiu nos 60m, nos 200m e nos 110m com barreiras. Em nenhum deles avançou para a final.

    Os resultados não abalaram a credibilidade dele. Porque pouco se falava de Jogos Olímpicos então. Dava-se muito mais importância aos títulos nacionais que ele acumulava. E, também, porque aquele evento esportivo ficou longe de ser considerado bem-sucedido. Ele se arrastou por meses e teve competições bizarras, como cabo-de-guerra e tiro ao pombo, além de se provar uma decepção para Coubertin, que esperava muito mais reverência dentro de sua cidade.

    Certidão de nascimento de Adolphe Klingelhoefer - Reprodução
    Certidão de nascimento de Adolphe Klingelhoefer – Reprodução

    – A Olimpíada de 1900 foi, provavelmente, a mais estranha de todos os tempos. Alguns podem dizer que foi a pior – disse o escritor norte-americano Bill Mallon, que tem um livro sobre os Jogos de 1900.

    Por mais fracassada que se provou, Paris 1900 marcou o início da saga olímpica brasileira. Hoje, sabe-se que Adolphe competiu como “francês” nos registros do evento, mas somente porque ele defendia um clube francês, o Racing. Naquela época, não havia representações/delegações nacionais, como hoje.

    É verdade. Os atletas que iam aos Jogos corriam, nadavam e se apresentavam por suas agremiações esportivos ou, pasmem, universidades.

    – Não houve equipes nacionais nas Olimpíadas até 1906. Antes, os atletas competiam por seus clubes, e quem quisesse participar geralmente ia por conta própria. Havia pouquíssimos comitês olímpicos nacionais. O dos Estados Unidos, por exemplo, foi criado em 1903E muitos nem existiam até o início dos anos 1910. Por isso, era um problema identificar a nacionalidade de alguns competidores. Sabemos que nos Estados Unidos, por exemplo, em 1904 [nos Jogos Olímpicos de St.Louis], alguns atletas que representaram seus clubes não eram cidadãos norte-americanos. E o COI sempre os considerou norte-americanos – observou Mallon.

    O historiador francês Allain Bouillé descobriu, na década passada, que Adolphe estava nesse limbo. E foi o primeiro a alertar que ele era cidadão brasileiro. Bouillé encaminhou documentos e ajudou o ge a resgatar a história do atleta.

    Ainda assim, oficialmente Adolphe seria o quê? Para tentar solucionar o impasse, a solução da reportagem foi recorrer ao COI, a autoridade máxima do Movimento Olímpico. Depois de encaminhado ao Centro de Estudos do comitê, a resposta foi a que segue:

    – A seguinte sentença é aceitada: um atleta brasileiro (e não o Brasil) competiu nas Olimpíadas de 1900 sob as cores de um clube francês.