Por BBC
Uma reportagem investigativa da BBC revelou que um suspeito de crime de guerra nazista, que fixou residência no Reino Unido, pode ter trabalhado para os serviços de inteligência britânicos durante a Guerra Fria.
Antes de sua morte ocorrer, oficiais alemães estavam investigando Stanislaw Chrzanowski pelo assassinato de judeus durante a 2ª Guerra Mundial em Belarus.
O homem já havia sido interrogado pela polícia britânica, mas nunca fora acusado de nenhum crime.
Agora Chrzanowski, que se gabava diante de seu enteado de que tinha “um segredo inglês”, apareceu em registros de filmes feitos em Berlim na década de 1950.
E lideranças judaicas estão pedindo que uma investigação seja aberta para descobrir se Chrzanowski – e outros como ele – não foram acusados de crimes de guerra porque atuaram como espiões do governo do Reino Unido.
Por mais de 60 anos, John Kingston suspeitou que seu padrasto tinha sido mais do que apenas um segurança do prédio do governo municipal em sua cidade natal no Leste Europeu durante a 2ª Guerra Mundial.
Tanto que ele tinha certeza de que Stanislaw “Stan” Chrzanowski havia sido um criminoso de guerra nazista que conseguiu escapar da justiça.
E em várias ocasiões tentou persuadir as autoridades britânicas a investigá-lo. Mas não teve êxito.
Kingston conseguiu reunir uma grande quantidade de evidências – fotos, documentos e conversas telefônicas secretas – que por mais de 20 anos foram armazenadas em seu sótão.
Conheci Kingston em 2016 e, assim, comecei minha própria investigação de Chrzanowski e suas atividades durante a guerra.
Mas só quando Kingston morreu – e todo o material que ele havia armazenado no sótão foi entregue a mim – surgiram novas evidências para explicar por que Chrzanowski nunca fora levado à justiça.
Histórias de ninar
A mãe de Kingston, Barbara, conheceu Chrzanowski em 1954, em um clube polonês em Handswortg, Birmingham.
E ela ficou encantada com aquele estrangeiro que gostava de dançar.
Chrzanowski lhe disse que havia chegado, junto com outros soldados poloneses, ao porto de Liverpool em 1946, um ano após o fim da guerra.
Ele também disse a ela que havia crescido em Slonim, uma cidade localizada na Polônia no início da guerra, mas que agora pertence a Belarus.
Barbara ficou tão cativada por Chrzanowski que o convidou para sair de férias no mesmo verão, junto com seus dois filhos.
Kingston, que tinha 9 anos na época, chamou essas férias de “o momento em que tudo mudou”.
A princípio, o menino ficou pasmo com a nova figura paterna.
“Ele era fascinante e estranho”, explicou Kingston.
“De certa forma, eu o admirava e queria ser como ele.”
Chrzanowski disse à sua nova família que estava trabalhando em uma serraria em Slonim quando a guerra começou, até que em 1943 os nazistas o forçaram a trabalhar como segurança.
Segundo seu relato, ele conseguiu escapar de seu país em 1944, depois foi prisioneiro de guerra e finalmente se juntou às fileiras polonesas para lutar ao lado dos Aliados.
Não havia razão para duvidar de sua história.
Logo depois, Chrzanowski mudou-se com os Kingstons para sua casa em Birmingham.
Ameaça em casa
Em casa, Chrzanowski ensinou seu enteado John a pular paredes com técnicas de pára-quedista e comprou-lhe uma pistola de brinquedo alemã para que ele pudesse brincar nos escombros deixados pelas bombas alemãs durante a guerra em vários pontos da cidade.
Mas, pouco a pouco, outro Chrzanowski começou a se revelar. E isso afetou a adolescência de Kingston de maneira profunda, tanto mental quanto fisicamente.
“Foi um pesadelo crescer com ele. Ele era um cara muito perigoso”, Kingston me confessou.
Chrzanowski tinha um temperamento muito forte e trazia do trabalho pedaços de borracha flexível para espancar seus enteados e o cachorro da família.
“Ficava coberto de hematomas”, disse Kingston.
Quando iam dormir, Chrzanowski contava histórias de guerra. No início, pareciam divertidas, mas aos poucos se tornaram sinistras.
Chrzanowski descreveu eventos terríveis aos ouvidos das crianças, desde quando os nazistas chegaram a Slonim.
De acordo com as lembranças de Kingston, ele falou de pessoas sendo torturadas e interrogadas.
“Às vezes ele falava sobre bebês que eram agarrados pelos tornozelos e esmagados contra a parede”, disse.
“E ele nos mostrou como eles faziam isso”, acrescentou.
O homem disse a eles que tinha visto essas atrocidades através de binóculos, enquanto trabalhava como segurança.
Mas Kingston disse que a maneira como ele contou essas histórias foi tão vívida que parecia que Chrzanowski havia cometido esses crimes.
Todo esse ambiente teve um grande impacto emocional na saúde mental de Kingston enquanto ele vivia com seu padrasto. Por isso, assim que se tornou adulto, ele quis se mudar.
Foi também por volta dessa época que ele começou a questionar o relato de Chrzanowski antes de vir para o Reino Unido.
Kingston começou a pensar: será que seu padrastro havia trabalhado para os nazistas?
Com o tempo, Kingston conheceu Sheila, eles se casaram e se mudaram para o norte da Inglaterra, na cidade de Holmfirth. Mas seu casamento passaria por várias tragédias: quatro de seus seis filhos morreram jovens.
Particularmente a morte de um deles, aos 17 anos e devido a meningite, atingiu Kingston profundamente.
Toda essa dor acumulada o levou a um ponto em que se sentiu oprimido pelo que considerou uma grande injustiça.
Como era possível que a única figura paterna em sua vida havia feito coisas horríveis – até mesmo para crianças – e ainda assim continuado com sua vida?
Ele logo descobriu uma oportunidade de fazer algo a respeito.
“Você conhece um criminoso de guerra?”
Em março de 1988, ele viu um anúncio em um jornal de circulação nacional.
O anúncio buscava informações sobre supostos criminosos que viviam no Reino Unido e que haviam sido responsáveis pelo “genocídio e assassinato de pessoas na Alemanha ou nos territórios ocupados pelos alemães” durante a 2ª Guerra Mundial.
O governo lançou uma investigação formal depois que membros do Centro Simon Wiesenthal, responsável pela caça nazistas fugitivos, forneceram uma lista de suspeitos.
O governo de Margaret Thatcher (1979-1990) disse que não ter checado os checado os antecedentes daqueles que entraram no Reino Unido após a guerra “nos fez parecer uma república das bananas”.
Kingston estava convencido de que Chrzanowski era um desses homens e que ele não tinha sido apenas “um segurança” do prédio da administração Slonim, como ele alegava.
Neste sentido, escreveu várias cartas ao grupo de pesquisa nas quais transcreveu as histórias de terror que Chrzanowski lhe contara durante sua infância. E vários policiais foram interrogar seu padrasto.
Mas então nenhuma ação foi tomada contra ele por falta de provas.
No entanto, Chrzanowski agora sabia que seu enteado suspeitava de algo e o interrogatório policial certamente o assustou. Ele então começou a solicitar vários vistos de viagem para países como Rússia, Polônia e Canadá, onde tinha amigos de guerra e alguns parentes.
À medida que as investigações continuavam, três velhos amigos de Chrzanowski, que tinham vindo para o Reino Unido como ele, morreram.
Um deles, suspeito de ser um criminoso de guerra e que havia escolhido Chrzanowski como seu padrinho, suicidou-se.
Convencido de que seu padrasto era um criminoso, Kingston iniciou sua própria investigação.
E um dia, ao visitá-lo em sua casa, ele conseguiu fazer uma cópia de todas as fotos da época da guerra que Chrzanowski mantinha sob sua cama.
Valas da morte
“Nós o conhecíamos como açougueiro. Isso é o que ele fazia: matava pessoas”, disse Alexandra Daletski à BBC em 1996, enquanto olhava para uma foto de Chrzanowski.
Depois de compartilhar suas suspeitas com a BBC News, Kingston e o então jornalista da BBC Jon Silverman estavam andando pelas ruas cobertas de neve de Slonim, perguntando às pessoas se reconheciam o homem na foto.
Nele, Chrzanowski usa o uniforme da Polícia Auxiliar de Belarus, uma força civil armada que cumpria ordens em nome dos nazistas.
A foto foi datada, de acordo com o testemunho de Kingston, de março de 1942.
Daletski observou que seu marido, Jan, foi uma das 200 pessoas que Chrzanowski e a polícia local prenderam naquele ano.