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    Márcia Bittar desconhece a luta feminista e fala como se tivesse saído de um episódio de o Conto de Aia

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    Por Maria Meirelles

    A entrevista da pré-candidata ao Senado, Márcia Bittar (sem partido), para o site A Gazeta do Acre me deixou embasbacada. À medida que o papo flui, entre Márcia e a jornalista Lamlid Nobre, tive a sensação de estar assistindo a um episódio da série estadunidense The Handmaid’s Tale (O Conto da Aia).

    A pré-candidata reproduz exatamente o arquétipo da esposa – personagem emblemática da ficção. Baseada na obra de Margaret Atwood, a série narra a distopia de Gilead, uma sociedade totalitária, governada por um fundamentalismo religioso, que trata as mulheres como propriedade do estado. Na ficção, as poucas mulheres férteis são transformadas em aias – uma casta forçada à servidão sexual. Já as esposas são casadas com os comandantes e reproduzem o mesmo pensamento machista e misógino de seus maridos, além de se apropriarem dos filhos gerados pelas aias.

    Não tenho convivência com Márcia Bittar para fazer qualquer julgamento de cunho pessoal, é importante salientar isso! Portanto, ao compará-la com a personagem da esposa, me refiro ao seu discurso de submissão masculina, proferido diversas vezes em sua entrevista.

    “Já tinham lançado o meu nome a deputada federal, quando Márcio foi candidato a governador. Para acomodar os partidos, achei melhor tirar meu nome. No pleito passado, Márcio foi candidato ao Senado, cogitaram o meu nome a federal porque eu era presidente do Solidariedade. E, novamente, eu declinei porque o Márcio era candidato. Só que agora, o Márcio está com um mandato de senador, ele mesmo disse para mim: ‘agora você pode ser candidata, porque eu não vou ser candidato’”, afirmou Márcia, ao responder sobre como surgiu a sua pré-candidatura para as eleições de 2022.

    Posteriormente, Márcia deixa claro que fidelidade partidária não está entre as suas prioridades, tampouco se importa com os ideários da sigla que irá se filiar para disputar o jogo das próximas eleições. Sua única preocupação é seguir fielmente os passos de Bolsonaro, que é declaradamente misógino e tem como ídolo o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – símbolo da brutalidade dos crimes da Ditadura Militar, que colocava ratos na vagina das mulheres para que elas fossem dilaceradas por dentro.

    “Vou seguir o líder. Eu estou sem partido e ele [Bolsonaro] também. Então, para onde ele for, para mim está bom demais. Enfim, qualquer partido que ele se filiar…”, declarou, toda orgulhosa.

    E é claro que em toda entrevista que envolve machismo, o ataque ao movimento feminista não pode faltar. “As pessoas acham que porque eu sou mulher, eu vou fazer um discurso muito feminista. Longe de mim, que eu não sou feminista! Eu sou é feminina mesmo”, afirmou Márcia Bittar, demonstrando seu total desconhecimento sobre a luta organizada das mulheres por direitos.

    Que uma mulher não perde sua feminilidade por ser feminista é de conhecimento público. Contudo, o que Márcia Bittar não sabe ou ignora é o fato de que sua candidatura só é possível exatamente pela luta do movimento feminista, que consolidou o nosso direito ao voto e à disputa eleitoral por um cargo público.

    Quando a entrevista termina, não sei definir com precisão o sentimento que me invade, mas se aproximava de um mix de revolta por tanta desinformação proferida, uma certa pena por assistir uma mulher se prestar ao papel de submissão pública e a certeza de que a educação e o empoderamento feminino são as chaves para a formação de mulheres conscientes de seu poder, ao ponto de não terem que se servir das migalhas fétidas do machismo.

    E se Márcia me permitir, ouso dar uma dica: que seja ela mesma o amor de sua vida.

    Maria Meirelles é jornalista, feminista e vice-presidente do Instituto Mulheres da Amazônia*