O barulho do despertador obriga o acordar de Lucas. Ao abrir os olhos, seu primeiro compromisso é o de olhar o celular, e é fácil, pois o aparelho divide com ele a cama, ficando ao alcance das necessidades de seu vício. Ainda deitado, desencorajado para as obrigações do dia, passa tempo considerável com o olhar perdido na telinha.
As horas, descompassadas, voam mais que o normal…
É preciso levantar-se. Negocia com seu corpo e arrasta-se até o banheiro. Mergulhado em desânimo, senta-se à mesa para o café. Em uma mão o copo, na outra o celular. Verifica as notícias do dia. Homicídios, estupros, assaltos, corrupção, violência doméstica, acidentes de trânsito.
Irrita-se ao lembrar que precisa levar o filho à escola. A criança ainda não tocou no café. Ouve sua esposa negociando com o menino para que largue o tablet e concentre-se em comer. Durante a refeição não há espaços para conversas. O mundo digital reclama a atenção de todos. O único momento de interação interpessoal é quando a esposa vê a notícia de uma morte cruel e resolve lhe mostrar. Há fotos da crueldade. Ele as vê e imediatamente compartilha em seus vários grupos. É o assunto que irrompe o seu dia.
Já no carro, dirigindo, escuta os barulhos reiterados das notificações do celular. Sente-se curioso. Olha. É um dos muitos grupos de whatsApp a que pertence. Este é de “amigos do futebol”. Falam de futilidades. No intervalo de uma hora, há centenas de mensagens não lidas. Ele dirige enquanto as lê. O rádio do carro noticia os escândalos do momento.
Chega ao trabalho. Odeia seus afazeres. Ensaia um sorriso e registra em uma foto o ambiente em que desenvolve seu ofício diário. Na legenda a seguinte frase: “É preciso trabalhar para vencer. Obrigado Deus pelo meu emprego”. Publica. A cada cinco minutos a verificação do número de curtidas e visualizações.
As horas parecem travadas… espera ansioso pelo momento de ir embora.
Após o trabalho, a academia. Nos intervalos entre os exercícios, o celular. No final do treino, o esforço: achar a melhor pose na frente do espelho, uma que diminua o que precisa ser esteticamente diminuído é aumente o que precisa ser aumentado, aí vem a foto. Na sequência, mais uma postagem; outra legenda: “Por hoje tá pago”.
Já é noite. Em casa, o cansaço que o acompanha sempre. Não entende por que anda tão desanimado e sem energia. Deitado no sofá, acompanha as vidas felizes e perfeitas das pessoas em seu Instagram. Sente inveja. “Por que apenas minha vida não é assim feliz?”, pensa. Quer passar em um concurso. Recorda-se dos conselhos de uma pessoa amiga. Quer segui-los, precisa melhorar de vida. Ameaça pegar um livro. Pega-o, mas a leitura não vence a primeira página. Sente-se exausto. Conclui que não tem tempo e que sua vida tem mais dificuldades que as demais. Conformado, volta ao celular.
Agora, as horas voam aceleradas…
Já pronto para dormir, deitado em sua cama, na escuridão do quarto, perde-se nas conversas dos grupos. Não lembra se choveu e sente raiva do relógio que tiranamente marca uma da manhã. Reclama mais uma vez da falta de tempo… é preciso dormir.
** Hugo Brito é formado em Direito e amante dos livros incuráveis