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    Os perigos de ser professor

    Por Hugo Brito

    Algumas lágrimas atingiram a página da prova que ela corrigia. Lágrimas de desencanto, desesperança, tristeza… Lágrimas de medo.

    Sozinha, sentada à mesa simples de plástico, cumpria o ritual de todos os dias enquanto o relógio na parede de sua cozinha anunciava a aproximação da meia noite. Planejava aulas, corrigia trabalhos e provas, chorava.

    Lembrou-se da fisionomia ameaçadora do pai de Lucas, seu aluno do nono ano. O medo aumentou. Também aumentaram as lágrimas. Luzia buscava distanciar de suas lembranças aquele dia incômodo, mas havia fracasso nessa tentativa.

    Essa não foi a primeira vez que ela ouviu palavras tão ameaçadoras no contexto escolar. Longe disso. Outras tantas vezes passou por situações semelhantes. Quando lecionou em escolas públicas, era ainda mais grave. Já teve a vida ameaçada por um aluno apenas por não ter atribuído a nota que ele desejava.

    Certa vez, muito além da dor emocional, sentiu a dor física de uma agressão com socos e chutes. O adolescente que a agrediu não aceitou que suas faltas fossem registradas. E foi por isso que Luzia cedeu ao convite de um amigo para ensinar em uma escola particular. Tinha esperanças de que tudo seria melhor. Tinha esperanças de mais compreensão e de posturas mais receptivas ao saber, afinal, eram crianças e adolescentes com todos os estímulos que o dinheiro pode proporcionar. Ledo engano!

    Mas hoje… hoje, a agressão veio de onde ela sempre esperou o correto. Talvez por isso doeu mais.

    Por ter corrigido os erros evidentes cometidos por um aluno em uma prova, foi diminuída e espancada em seu emocional e reduzida à descrença total em um futuro bom.  

    Agora, perdida em pensamentos ruidosos, ela queria encontrar no amontoado de suas lembranças o momento em que as salas de aula passaram a ser o terreno onde melhor se desenvolvem comportamentos tão assustadores.

    Na hora da agressão, ela estava na sala de aula. Ficou paralisada diante das falas ofensivas e carregadas de ódio do pai de Lucas. Talvez o fato de ele ser juiz de direito fomentou ainda mais seu temor. Ouviu em silêncio as ameaças de que ela perderia o emprego. Com palavras regadas por choro e entrecortadas por soluços, ela pedia desculpas sem ter culpa. Seu “erro”? Ensinar.

    ** Hugo Brito  é advogado e Bacharel  em Ciências  Sociais.