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    Ao Cassar mandato de Deltan, TSE cria precedente extremamente perigoso ao ordenamento jurídico, aponta Dr. Levi Bezerra

    Por Levi Bezerra

    O ex-Procurador da República e agora ex-Deputado Federal teve o registro da candidatura cassado pelo Superior Tribunal Eleitoral (TSE), culminando na cassação do mandato. O julgamento foi relatado pelo Ministro Benedito Gonçalves que identificou a ocorrência de fraude a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 64/1990), devido ao pedido de exoneração de Deltan ter ocorrido 11 meses antes da eleição, maquiando uma suposta intenção de obstar provável responsabilização, haja vista a notícia de infrações disciplinares que culminariam em Processo Administrativo Disciplinar com pena até de demissão, fato que impediria Deltan de concorrer a pleitos eleitorais. 

    Em que pese a minha insignificância diante do caso, bem como com máxima venha, a Decisão colegiada do Tribunal Superior Eleitoral, vejo a fundamentação utilizada com certa temeridade, pois além da decisão utilizar-se de interpretação ampliativa de norma restritiva de direito, esta decisão contraria a própria jurisprudência sedimentada no Tribunal Superior Eleitoral, haja vista que até então tinha o entendimento de que as inelegibilidades devem ser interpretadas restritivamente, a fim de que não alcancem situações não expressamente previstas pela norma.

    Cito também que apesar do combate a corrupção realizado por Deltan Dallagnol a frente da Lava Jato, eu não nutro nenhum apreço a figura profissional dele, pois inúmeras foram as ilegalidades cometidas no curso da operação e, especialmente, violações as prerrogativas dos advogados, porém, na presente questão, vejo que assiste razão ao ex-Procurador. 

    Em que pese o Ministro relator ter afirmado que, “ele se utilizou de subterfúgios para se esquivar de PADs [processos administrativos-disciplinares] ou outros casos envolvendo suposta improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos. Tudo isso porque a gravidade dos fatos poderia levá-lo à demissão”. Verifico que o argumento utilizado pelo Ministro não está previsto no rol de condutas (princípio da reserva legal), bem como se fosse passível de inelegibilidade a fraude a Lei da Ficha Limpa, tenho que esta não foi provada nos autos. 

    Enquanto operador do direito, a principal incongruência da aludida Decisão é o texto da Lei Complementar 64/90, que traz no art. 1º, inciso I, condutas restritivas do direito político de ser votado, cuja interpretação não pode ir para além do próprio texto, em razão do princípio da reserva legal e da proeminência do direito a cidadania (votar e ser votado). Nesse sentido, consigno que interpretação restritiva tem o seguinte conceito, é a norma que tem limites bem estabelecidos, ou seja, declara a verdadeira intenção do legislador, impedindo o operador do direito de ampliar o seu alcance.

    A indicação de que Dallagnol incorreu em fraude é um claro exercício de futurologia, pois o servidor público tem o direito de a qualquer tempo pedir exoneração do cargo público, isso é uma faculdade legal, outrossim, não está vinculado a conclusão de procedimento apuratórios de infração disciplinar, pois estes podem transcorrer regularmente independentemente da exoneração, considerando a gravidade da infração. Assim, o Juiz de piso e o TRE-PR julgou acertadamente em deferir o registro da candidatura, pois o que deve ser observado é o status quo existente no momento da exoneração. Nesse sentido, o próprio Conselho Nacional de Justiça emitiu certidão de nada consta sobre processos administrativos disciplinares em favor de Deltan.

    Os próprios argumentos elencados como indiciários da fraude são frágeis, pois ao se falar de fraude se faz necessários elencar elementos concretos do dolo, vejamos o que foi posto no bojo da decisão. O primeiro argumento é a existência de 2 PADs com trânsito em julgado, retirando a primariedade, porém se utiliza condenações anteriores quando da dosimetria da pena de um caso concreto. O segundo argumento diz respeito aos 15 procedimentos de natureza diversa que PODERIAM ser convertidos em PADs futuramente, ou seja, nenhuma garantia que de fato seriam (futurologia). O terceiro foi utilizar uma situação de um colega que atuava na Lava Jato e contratou serviço de outdoor em homenagem à força-tarefa, tendo sido penalizado com demissão, cuja fotografia publicizada contava com a imagem do Deltan, o que não quer dizer absolutamente nada, pois caso existisse participação direta de Dallagnol este teria sido coautor do referido PAD. O quarto diz respeito ao tempo do pedido de demissão que se deu 16 dias depois da demissão do colega, vejo como uma tentativa de se criar indícios, haja vista que não há nenhum óbice legal ao pedido de demissão a qualquer tempo (dedução). E por último, justificou-se que Deltan teria ainda 11 meses até a eleição, porém pediu demissão, caso quisesse permanecer no cargo, seria razoável aguardar pelo período adequado para pedir afastamento das funções. 

    Por fim, considero que a Decisão é no mínimo temerária, uma vez que o cidadão fica a mercê da interpretação do operador do direito, que poderá se utilizar de uma argumentação inidônea para impor penas a condutas não previstas pelo legislador, violando o principio da legalidade, da reserva legal, no presente caso até do devido processo legal, pois considerou a provável aplicação de penas de processos não julgados, gerando insegurança jurídica e silenciando o poder do povo que democraticamente o escolheu com seu representante.

    Levi Bezerra  é  advogado e mestrando em Direito  Público