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       A solidão do poder

    Por Hugo Brito

    O que me fez vir? Não sei dizer. Pena, talvez. Curiosidade, quem sabe. Espiritualidade? Sim, aí deve estar a resposta, a espiritualidade. Por qual outro motivo seria? Sempre tive repulsa por velório.

    A vida é mesmo fluida e veloz.  Há quatro meses, antes da doença atroz que tão repentinamente o levou, lá estava eu a programar as inúmeras agendas dos variados compromissos. E eram tantas reuniões e eventos formais. Nesses lugares, eu ficava sempre de longe, observando. Eu e os demais servidores. A invisibilidade não era uma opção. O ambiente era das autoridades, ambiente dos muitos abraços forçados, risos expansivos e ensaiados, elogios exagerados e retóricos. E todo mundo parecia conhecer seu lugar. Nós os servíamos, do café ao atendimento do celular pessoal. Às vezes, em alguns, sobrava um pequeno espaço para a gentileza de um “obrigado”. Parecia um mundo distante do nosso, e talvez seja, ou melhor, corrijo-me, é…  

    A nota emitida pelo Senado dizia “…senador que contribuiu significativamente para a construção política do país”.

    Dedicaram-lhe algumas poucas linhas. E foi só. Três ou quatro jornais locais anunciaram o falecimento repetindo as palavras prontas emitidas pelo Senado. Dois colegas de parlamento, lá da tribuna, e com um discurso escrito, lembraram de sua trajetória política. E foram falas floreadas que pareciam se referir a outra pessoa. Aqui, em seu velório, além dos servidores da funerária, quatro pessoas. Com os pais já falecidos, estavam os dois irmãos. O terceiro não veio, pois há muitos anos estão brigados por razões pequenas. Veio a sobrinha, filha do irmão ausente. Veio porque queria discutir com os tios o destino de tantos bens que sua excelência deixou. E eles conversavam de costas para o morto. Achei o gesto de uma insensibilidade que não tem conta.

    Observei, também, após olhar curiosamente logo ao chegar, que os donos das muitas vozes de elogios não vieram. As companhias que lotavam a beira da piscina nos natais, menos ainda. A ilusão do cargo fez afastar os amigos da infância… o poder tem dessas manias de manter bem longe vozes verdadeiras.

    … bom, chega de tantas reflexões. Espero que Deus o receba na morada celestial. Apesar de tudo, era um homem bom.

    Nossa, já são quatorze horas! perdi-me nesses pensamentos ruidosos e esqueci-me por completo de outro compromisso. Meus amigos já estão me bombardeando com mensagens em que perguntam se está tudo certo para a cervejinha desta sexta.  É hora de ir…

    ** Hugo  é  advogado e amante incurável dos livros literatura cânones