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    Escolas cívico-militares: decisão do governo é pouco efetiva e não acaba com militarização, dizem especialistas

    Por G1

    As críticas dos especialistas se voltam para a decisão de ‘pouco impacto’ do MEC e para o modelo de ensino em si, que não atingiu os objetivos esperados e é excludente.

    O anúncio do encerramento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), divulgado na quarta-feira (12), deixou especialistas aliviados, mas não totalmente satisfeitos. De acordo com pesquisadores e ex-integrantes do Ministério da Educação (MEC) ouvidos pelo g1, é preciso que o governo seja mais incisivo contra a militarização na educação básica.

    Eles afirmam que o modelo é excludente (não abrange todas as escolas), não tem resultados comprovados (faltam estudos e dados) e custa caro aos cofres públicos. No ano passado, o programa consumiu R$ 64 milhões e atendeu o equivalente a 0,1% das escolas do país.

    Abaixo, veja os cinco os principais temas que norteiam a discussão:

    1- Objetivos não foram atingidos

    Para Fernando Cássio, professor de políticas educacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), o ministério deveria ter se posicionado de maneira “firme e categórica, contra à militarização”.

    De acordo com ele, que também é integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o formato não trouxe evidências ou dados que comprovem sua efetividade na diminuição da evasão e na inibição casos de violência escolar, como havia sido prometido em sua implementação.

    O MEC encerrou o programa nos moldes firmados pelo governo Bolsonaro, mas ainda assim soou como uma chancela ao formato, em um estilo ‘quem quiser, fica, quem não quiser, sai’. E não é isso que se espera do MEC.

    2- Decisão terceiriza o problema

    Mesmo com a decisão do MEC de encerrar o formato, diversos estados consultados pelo g1 já declararam que pretendem manter suas escolas cívico-militares já implantadas.

    Aqui é importante ressaltar que diferentemente das escolas militares, que podem contar com militares no quadro de professores, no modelo cívico-militar encerrado pelo governo federal, civis poderiam ser responsáveis pela parte pedagógica, enquanto militares cuidavam apenas da gestão administrativa.

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    O que os estados vão fazer com suas escolas? Veja abaixo:

    O Ministério da Educação está jogando a responsabilidade para os estados e deixando implícito que eles têm autonomia para decidir o formato de suas escolas. Eu acho que, com isso, o MEC está abrindo mão do seu papel de estabelecer as normas gerais e as diretrizes da educação brasileira.

    — Salomão Ximenes, professor de políticas educacionais da UFABC.

    3- Encerramento tem pouco impacto

    • O também professor de políticas educacionais Salomão Ximenes vê a decisão do MEC de encerrar o programa como esperado, uma vez que, ainda na transição, o governo havia sinalizado desinteresse pelo formato.
    • No entanto, ele lembra que apenas cerca de 200 escolas públicas aderiram ao modelo, e a descontinuação do formato pode não ter grande impacto no cenário educacional do país.
    • Além disso, o professor reforça que existem outras políticas públicas estaduais e municipais com programas de militarização escolar, e defende que esses formatos também deveriam ser revistos. Para ele, falta um posicionamento claro do governo sobre o tema.

    Tenho receio sobre o impacto que essa decisão vai trazer de fato naquela que é a preocupação de fundo mais importante, que é a desmilitarização da educação básica como um todo.

    — Salomão Ximenes, professor de políticas educacionais da UFABC.

    4- Formato rígido não significa melhores resultados

    Claudia Costin, professora universitária da FGV e de Harvard, acredita que as escolas do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim) surgiram apoiadas na reputação de escolas militares do Ministério da Defesa, mas não conseguiram se igualar ao nível desejado.

    • “A curtíssimo prazo, chegam a uma melhora do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica(IDEB), mas isso não se sustenta, porque não é cortando o cabelo mais curto ou colocando trajes militares que os alunos aprendem mais”, diz Costin, que também é ex-diretora de Educação do Banco Mundial e presidente do Instituto Singularidades.
    • Ela destaca que os pontos positivos do formato, como maior protagonismo do aluno e tempo integral de estudos, também existem em outros modelos de ensino, como o aplicado em Pernambuco, que se destaca nas avaliações do ensino médio.

    O ensino médico aplicado em Pernambuco tem essas características e tem entregado resultados educacionais muito melhores do que as cívico-militares.

    — Claudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial e presidente do Instituto Singularidades.

    5- Modelo escolar é excludente

    • Ximenes, professor de políticas educacionais, defende ainda que o formato militarizado é excludente e rígido, o que não é um parâmetro de qualidade.
    • Além disso, Miriam Fábia Alves, membro da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (RePME), acredita que o que a escola militarizada evoca é um reflexo dessa ideia, por supostamente ser uma instituição mais completa.
    • Isso, no entanto, deveria ser realidade em todo o país, e não exclusividade de um formato. Ainda segundo a avaliação dela, a militarização cria uma diferenciação “muito perversa”, uma vez que as escolas não militarizadas podem se tornar indesejadas por não oferecerem a mesma infraestrutura.

    O que os pais demandam é uma escola com infraestrutura, profissionais, presença dos funcionários e professores, e que seja segura. Isso deveria ser política para todas as escolas brasileiras.