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    Bebês reborn causam de multa de trânsito a disputa familiar na Justiça

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    Os bebês reborn já não se aglomeram somente em encontros de domingo no Parque Ibirapuera, na zona sul de São Paulo. Eles também chegaram aos tribunais, onde são citados em ações que vão de contestação de multa de trânsito até disputas familiares.

    Enquanto as mães brasileiras de reborn se multiplicam e já chamam a atenção até do New York Times, também crescem as polêmicas envolvendo esse tipo de réplica.

    No Judiciário, as bonecas já são motivo de diversos tipos de contendas – boa parte delas relacionadas ao direito do consumidor, mas não só isso. A reportagem encontrou ações de danos morais, furtos, assuntos da vara de família e até questionamento de multa de trânsito causada por um desses bebês a bordo de um veículo.

    4 imagensOs bebês reborn se popularizaram no Brasil no início dos anos 2000Cada peça demanda até 15 dias de trabalho artesanalFechar modal.1 de 4

    Advogado nega ações envolvendo bebês reborn

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    Os bebês reborn se popularizaram no Brasil no início dos anos 2000

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    Cada peça demanda até 15 dias de trabalho artesanal

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    Guia de Bem-Estar/Reprodução

     

    Reborn no trânsito

    Um dos casos começou quando um bebê, no banco dianteiro, chamou a atenção de policiais em uma batida de trânsito, em Itanhaém, no litoral paulista. A motorista tentou anular a multa na Justiça, alegando que, na verdade, os policiais tinham visto uma boneca reborn.

    A mulher processou o município de Itanhaém e o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), em 2023, após ser multada por levar um bebê no banco dianteiro do veículo — infração considerada gravíssima e que rende sete pontos na carteira. Para a autora da ação, a polícia entendeu tudo errado.

    De acordo com a petição da motorista, a filha dela, de 12 anos, levava a boneca no colo. Como evidências da alegação, ela anexou ao processo uma foto da filha com a boneca no banco dianteiro do veículo, além do comprovante da compra da réplica – uma NPK real de 57 centímetros, comprada, em 2018, por U$ 74.

    A ação aponta que a menor de idade no banco dianteiro, “que conta com idade e altura superior à mínima disposta na legislação de trânsito supracitada, trazia consigo uma boneca que se assemelha em muito com um bebê, porém, a autoridade de trânsito que visualmente aplicou a multa, com toda certeza, foi induzida a erro”. A peça argumenta que a polícia deveria ter feito a abordagem da motorista antes de multá-la, o que não ocorreu.

    O argumento não convenceu o juiz do caso, que manteve a multa no ano passado. Ele afirmou que “a reprodução dos fatos intentada pela autora pela juntada da fotografia” era “insuficiente para afastar a presunção de veracidade do ato administrativo”. Ou seja, que a palavra dos agentes bastava para a aplicação da multa.

    A reportagem procurou a motorista, via WhasApp, para obter mais detalhes sobre o assunto. Ela recusou a conversa com um “aff, não, obrigada”, e bloqueou a reportagem.

    Casos de família

    Quem levantou a bola das bonecas reborn no jJudiciário foi a advogada Suzana Ferreira, que fez um relato nas redes sobre uma cliente, que busca regulamentar a guarda do brinquedo que adotou com o parceiro. “Ela constituiu uma família e a bebê reborn faz parte da família dela. Só que o relacionamento não deu certo e a outra parte insiste em conviver com a bebê reborn pelo apego emocional que teve a ela”, disse.

    A cliente, inclusive, enfatizou que, justamente pelo apego emocional, a solução não seria comprar outra boneca hiper-realista. A advogada explicou também que a mulher queria que o ex-companheiro arcasse com metade dos custos que tiveram com a bebê, já que ela tinha pago tudo.

    O caso descrito ainda estava em fase extraoficial, mas o  Metrópoles localizou outros em que disputas familiares efetivamente chegaram aos tribunais. Embora não tratem da guarda das réplicas, já tem pai de criança recorrendo à Justiça para reaver a boneca realista dos herdeiros.

    Em um dos casos, um pai entrou com ação para recuperar a boneca e outros bens da filha, que na época da ação tinha 11 anos. O homem, morador de São Carlos, interior de SP, responsável pela guarda da criança, disse que após o divórcio a mãe da menina chegou a mandar um áudio ameaçando doar por vingança os pertences da filha. No meio da disputa, estava um bebê reborn avaliado em R$ 1.000.

    A Justiça determinou, no ano passado, que a boneca e outros bens — que somavam R$ 35 mil — fossem devolvidos. Posteriormente, o processo foi extinto com um acordo extrajudicial.

    Outro caso localizado pela reportagem se tratava de uma ação por danos morais de um pai contra a mãe, por tê-lo exposto nas redes. Um dos motivos da briga, que se deu na Justiça de Sergipe, seria justamente um bebê reborn.

    Em sua defesa, a mãe disse que apenas realizou um desabafo nas redes sobre a situação envolvendo o pai. A pivô da polêmica era justamente uma boneca. Segundo o relato da mulher, o genitor realizou “uma festa de aniversário para a filha, na qual a mesma recebeu diversos presentes, inclusive uma boneca ‘Bebê Reborn’. “Ele, entretanto, não a deixou trazer nenhum deles. Consequentemente, quando o pai realizava chamadas de vídeo pelo WhatsApp com a filha, esta iniciava episódios de choro e ansiedade, pedindo o envio da boneca’”, diz o relato.

    O juiz do caso resolveu não entrar no mérito de quem estava certo e quem estava errado – jogou a bola para o Judiciário de Roraima, onde a mãe da criança vivia com a filha.

    Guerra das cegonhas

    A comunidade das reborn também vai à Justiça para discutir a mais variada gama de barracos internos e guerras comerciais, que incluem trocas de acusações amplificadas pela grande quantidade de seguidores das fabricantes das réplicas, conhecidas como cegonhas.

    Os bebês reborn se popularizaram no Brasil no início dos anos 2000, e o interesse pelo produto não para de crescer no país. Existem mais de 1,3 milhão de pessoas acompanhando páginas dedicadas ao tema. Com valores que variam de R$ 850 a quase R$ 6 mil, cada peça demanda até 15 dias de trabalho artesanal.

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    Em uma disputa judicial entre fabricantes de bonecas, por exemplo, uma cegonha acusava a outra de difamação, que teria começado após um desentendimento entre valores em uma parceria comercial. A autora da ação na Justiça do Rio Grande do Sul virou alvo de diversos comentários em um grupo habitado por legiões de mães reborn, que a acusavam de golpista — os pedidos foram julgados improcedentes e as acusações seguiram no ar.

    As disputas também ocorrem por assuntos mais rotineiros, na esfera da defesa do consumidor, seja por atrasos, bebês defeituosos ou não entregues. No âmbito criminal, também houve casos de furto das bonecas.

    Além dos juízes, até os futuros delegados de polícia já estão sendo preparados para se deparar cada vez mais com o tema reborn. Segundo relatos de professores especializados em concursos públicos nas redes, uma questão da prova oral da Polícia Civil de São Paulo era sobre a possibilidade da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana a um boneco reborn.