Os oito acusados do núcleo central da ação sobre tentativa de golpe de Estado, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro, começam a ser interrogados no Supremo Tribunal Federal a partir das 14 horas desta segunda-feira. Ao contrário do que ocorreu nas oitivas das testemunhas, as sessões serão transmitidas ao vivo pela TV Justiça. Há controvérsias sobre a decisão: por um lado, isso confere transparência ao processo, por outro, espetaculariza o julgamento, com holofotes disputados por todos – juízes, advogados e réus.
O Brasil já viu este filme.
O Mensalão, cuja revelação completou 20 anos na semana passada, foi o primeiro julgamento de grande porte a que o país assistiu ao vivo. Por se tratar do desbaratamento de um sofisticado sistema de corrupção envolvendo mais de uma dezena de políticos de diferentes siglas – 15 deles acabariam cassados -, as investigações demoraram quase oito anos. Mas, ao contrário do que o bolsonarismo tenta fazer crer quando acusa o Supremo de correr com o processo contra o ex, o julgamento do esquema do Mensalão pelo pleno da Corte foi célere.
Mesmo com o estrelismo de causídicos e juízes – a capa preta esvoaçante do ministro-relator Joaquim Barbosa é inesquecível -, tudo foi resolvido em pouco mais de três meses, entre 2 de agosto e 17 de dezembro de 2012, com a condenação de 24 dos 38 acusados. Diga-se, todos já livres, leves e soltos pela frouxidão das leis do país. Um deles foi o então deputado Valdemar da Costa Neto, dono do PL (partido de Bolsonaro), que à época renunciou ao seu mandato para não se tornar inelegível.
O processo contra os mentores golpistas teve sua primeira sessão em 25 de março e só deve ser concluído no segundo semestre. Será mais longo do que o de 2012 mesmo com um número menor de réus – são 31 indiciados – e de juízes – apenas 5 -, visto que desde o Mensalão, que paralisou o STF por três meses, as ações penais são encaminhadas para uma das duas turmas, neste caso, para a Primeira.
Os trabalhos desta semana começam com o interrogatório do delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Os demais réus desse núcleo – Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto – estarão presentes e serão arguidos na sequência, em ordem alfabética. Por estar preso, Braga Netto será ouvido por teleconferência, e foi o único deles que solicitou ao STF que sua oitiva não seja televisionada.
O mais provável é que Bolsonaro, o sexto na lista, seja inquirido na quarta-feira, mas ele já iniciou a mobilização da claque. Está convocando seus fieis para acompanhar a sessão, com a ressalva de que não esperem o Bolsonaro de sempre, porque ele não pretende “lacrar”. É ver para crer, já que para garantir a reverberação do show, o ex avisou que não vai se furtar a enfrentar o ministro Alexandre de Moraes, tido como algoz por ele e os seus.
Cabe registrar que a convocação de Bolsonaro teve repercussão menor do que a pretendida. Sua gente acredita que ele foi atropelado, mais uma vez, pelas trapalhadas de Carla Zambelli (PL-SP), a quem acusam de ter impingido a derrota do ex ao sair de arma em punho atrás de um jornalista em pleno Jardim Paulista, às véspera da eleição. Apontam agora que a fuga da deputada licenciada para a Itália e a mobilização da Interpol teriam roubado a audiência do ex, e piorado a situação dos acusados, que passaram a ser vistos como possíveis fugitivos. Mas Zambelli é a parte pastelão do filme.
A abertura do espetáculo desta segunda-feira será dramática. Olho no olho, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid deve repetir diante do ex-ídolo Bolsonaro o que disse em sua delação, incriminando o então presidente e os demais réus de terem planejado e operado contra o Brasil. O ator Bolsonaro terá de manter a cara de paisagem, disfarçar o ódio e o desejo de vingança. O clima deve arrefecer na oitiva de Ramagem e, como em um bom suspense, voltar a tensionar com Guarnier, ex-comandante da Marinha.
Bolsonaro está se preparando para a inquisição. Pretende dar ares de que está indo para a fogueira, como um mártir. Seus advogados o querem calmo, sereno, respondendo a cada pergunta de forma objetiva, sem sair do script traçado. Para tal, o ensaio, em São Paulo, consumiu horas a fio. Mas faz parte do seu estilo misturar jeitos de moço obediente com a dúvida (e ameaças) de que pode chutar o balde, uma vez que ele acredita que, diga o que diga, já estaria condenado de antemão. Talvez porque se saiba criminoso.
Mesmo com os holofotes que multiplicam a exibição dos egos e a qualidade das performances, a semana que se inicia é crucial para o país. Nela, os conspiradores contra a democracia e os principais protagonistas da tentativa de golpe serão expostos aos ditames da lei e, ao vivo e em cores, ao escrutínio dos brasileiros.
Mary Zaidan é jornalista