Em um período de pouco menos de um ano, o 2º tenente Ian Lopes de Lima, de 26 anos (imagem em destaque), participou de sete homicídios resultantes de supostos tiroteios na zona sul de São Paulo. Os dois casos mais recentes foram registrados em março deste ano.
O Metrópoles revelou que em 2024 — seu primeiro ano como oficial da Polícia Militar paulista — Ian tornou-se o maior matador da corporação. Por conta da reportagem, ele foi afastado das ruas na primeira quinzena de junho, transferido para o setor administrativo do Comando de Policiamento de Área Metropolitano 10, atuante na zona sul da capital.
Antes de ser retirado das ruas, o tenente Ian atuou em uma ocorrência, juntamente com outros dois PMs, na qual se deparou com um carro, ocupado por quatro suspeitos. Era o início da noite de 24 de março, momento em que os PMs decidiram abordar os ocupantes do Hyundai HB20, que trafegava por Santo Amaro.
Tenente Ian acumula sete mortes em pouco mais de um ano na PM
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Um levantamento inédito do Metrópoles mostra que 85 pessoas mortas pela PM em 2024 na cidade de São Paulo não portavam arma de fogo. Foram mortas 246 pessoas no ano
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A PM deu pelo menos 459 disparos para matar 85 pessoas em ocorrências em que nenhum dos suspeitos portava arma de fogo no momento em que foram baleadas. O número de tiros representa uma média de 5,4 por ocorrência
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Um dos casos de maior repercussão foi o da morte do estudante de medicina Marco Aurélio Acosta, que estava desarmado
Arquivo pessoal5 de 13
Os pais do estudante, Júlio César Navarro e Silvia Monica Cardenas, prometem ir às últimas consequências por Justiça
Artur Rodrigues/Metrópoles6 de 13
Outro caso de pessoa desarmada Gabriel Renan Soares, baleado pelas costas por um policial de folga quando tentava furtar produtos de limpeza de um mercadinho
Material cedido ao Metrópoles7 de 13
Entre os mortos também está João Victor, que implorou para não morrer durante ação da PM
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O colombiano Michael Stiven Ramirez Montes foi morto com 25 tiros durante um surto, em um apartamento na região da Cracolândia
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O colecionador de armas (CAC) Marcelo Berlinck Mariano Costa atirou de dentro de uma cobertura em Pinheiros (bairro nobre de SP na zona oeste) e acabou preso pela PM sem ser baleado
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O governador Tarcísio de Freitas
Pablo Jacob/Governo de SP/Divulgação11 de 13
O secretário da Segurança, Guilherme Derrite, é conhecido pela exaltação à letalidade policial, o que especialistas afirmam que pode ter pesado nas estatísticas
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Tenente iniciou carreira como oficial em janeiro do ano passado
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Em apenas 25 anos de idade, PM foi o mais envolvido em mortes no ano passado
Reprodução/Redes Sociais
Suposto tiroteio
Em depoimento à Polícia Civil, os militares afirmaram que, assim que emparelharam a viatura com o carro, os suspeitos teriam supostamente atirado contra os policiais.
Ian então deu quatro tiros com um fuzil calibre 7.62, arma usada em guerras, e um soldado disparou cinco vezes com uma pistola calibre ponto 40, como relatado pelos PMs em depoimento.
No HB20, três ocupantes atingidos pelos tiros foram encaminhados para hospitais da região. O quarto suspeito foi detido e levado à delegacia. Dois dos ocupantes do carro morreram, um no Hospital Saboya e, o outro, no Hospital do Campo Limpo.
Somente um deles foi identificado, após a análise das impressões digitais, como Caio Gundin da Silva, de 24 anos.
Com sete mortes em ocorrências das quais participou, tenente Ian seguiu no policiamento ostensivo por quase mais três meses.
O Metrópoles não localizou a defesa do oficial até a conclusão desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
Ano de estreia
Com o desempenho em seu ano de estreia na PM, Ian Lopes ficou à frente de outros 21 policiais militares de diferentes patentes que também mataram mais de uma pessoa no ano passado. O grupo, que corresponde a apenas 0,07% de todo o efetivo da PM na capital — 31 mil agentes —, foi responsável por 21% de todas as mortes por intervenção policial no ano passado na cidade: 52.
As informações foram obtidas pelo Metrópoles a partir da análise dos documentos de todas as 246 mortes cometidas por PMs na cidade de São Paulo em 2024, ano mais letal da gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP). Os dados estão reunidos na reportagem especial “A política da bala“, publicada no último dia 10.
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Apesar da pouca experiência, o tenente Ian Lopes, como é conhecido, conquistou rapidamente a confiança de seus superiores e, em abril do ano passado, quatro meses após se tornar oficial, já ocupava o posto de comandante noturno do 37º Batalhão Metropolitano, na região do Capão Redondo, zona sul da capital. A partir das 22h, o efetivo de todas as companhias ficava sob sua responsabilidade.
Foi em abril, na madrugada do dia 12, que ele participou de seu primeiro homicídio. Durante patrulhamento no Jardim Ângela, a vítima, Marcos Aurélio Gomes Ferreira, de 31 anos, teria partido para cima de Ian Lopes com uma barra de ferro, em um aparente surto psicótico. O homem foi baleado nas nádegas, no abdômen e no braço esquerdo. Em depoimento, os PMs disseram que os três disparos foram necessários porque a arma de munição não letal, o taser, havia ficado na viatura.
Assim como Marcos Aurélio, suas outras quatro vítimas não atiraram. Enquanto isso, os policiais envolvidos nas ocorrências efetuaram ao menos 47 disparos. Ian Lopes foi o responsável por sete deles. Com o caso de março, o saldo do tenente subiu para 11 — oito de fuzil calibre 7.62 e três de pistola .40.
O que diz a PM
A Polícia Militar afirmou, por meio de nota, que “não tolera desvios de conduta” e que, “como demonstração desse compromisso, desde o início da atual gestão, 463 policiais militares foram presos e 318 demitidos ou expulsos”.
Segundo a corporação, todas as mortes por policiais são investigadas com acompanhamento da Corregedoria e do Ministério Público. Além disso, o comunicado afirma que em todos os casos são instauradas comissões para identificar “não-conformidades”.
“A atual gestão investe em formação contínua do efetivo, capacitações práticas e teóricas, e na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, como armas de incapacitação neuromuscular, com o objetivo de mitigar a letalidade policial”, diz a nota.