Na última semana, duas entidades espíritas pediram para ingressar como “amigos da Corte” em uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre resolução do Conselho Federal de Medicina (CMF) que dificulta a realização de aborto legal.
Os pedidos são da Federação Espírita Brasileira (FEB) e da Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas (Abrame). Caso os pedidos sejam aceitos, ambas atuariam na ação como interessadas, subsidiando o tribunal com informações, mas sem estar diretamente envolvidas na disputa como parte do processo.
A ação foi ajuizada pelo Psol em abril de 2024 contra a Resolução nº 2.378/2024 do CFM, alegando que a norma restringe a liberdade científica e o livre exercício profissional médico, impactando o direito ao aborto legal de vítimas de estupro, “porque proíbe um cuidado de saúde crucial para o aborto”.
A resolução, atualmente suspensa por decisão do relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, proibia a utilização de uma técnica clínica (assistolia fetal) para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro.
O procedimento regulamentado pela norma consiste na injeção de substâncias no feto, o que leva o coração a parar de bater, antes da interrupção da gravidez e é recomendado pela Organização Mundial da Saúde para interrupção de gestações depois de 20 semanas.
Para o Psol, além de restringir direitos fundamentiais -uma vez que o aborto decorrente de estupro é legal -, o CFM o fez por meio de resolução, o que seria vedado.
O ministro do STF Alexandre de Moraes
“Isso significa que graves restrições a direitos constitucionalmente previstos são reservadas a lei em sentido estrito, não podendo ocorrer por meio de atos normativos secundários, como Resolução emanada pelo Conselho Federal de Medicina”, diz a petição inicial do partido, que pedia ao Supremo, para além da suspensão da regra, a declaração de inconstitucionalidade da resolução.
Em maio, Moraes, ao atender um dos pedidos da sigla, suspendeu a norma do Conselho Federal de Medicina até o julgamento final da ação, que ainda não ocorreu.
O ministro afirmou, à época, que existiam indícios de “abuso do poder regulamentar” por parte do CFM, dizendo que a entidade “se distancia de standards científicos compartilhados pela comunidade internacional”.
“Nessa última hipótese [aborto por estupro], portanto, para além da realização do procedimento por médico e do consentimento da vítima, o ordenamento penal não estabelece expressamente quaisquer limitações circunstanciais, procedimentais ou temporais para a realização do chamado aborto legal, cuja juridicidade, presentes tais pressupostos, e em linha de princípio, estará plenamente sancionada”, afirmou o ministro.
Na época, a discussão sobre aborto no STF também desencadeou uma reação no Congresso que, em junho, aprovou um pedido de urgência em projeto de lei que equipara o aborto realizado após 22 semana ao crime de homicídio.
No mesmo mês, debate no Senado sobre assistolia fetal ficou marcado pela polêmica de um “teatro” que encenava as falas de um feto durante aborto.
Amigos da Corte
Constam como “amigos da Corte” na ação mais de uma dezena de instituições, dentre elas a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), o Instituto de Defesa da Vida e da Família, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), a Frente Parlamentar Mista Contra Aborto e em Defesa da Vida, o Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp), e outras.
Na petição para o ingresso na ação, a Associação Brasileiro dos Magistrados Espíritas alega que a resolução questionada no STF tem “robusta fundamentação científica, ética e bioética” e cita avanços na medicina que já possibilitam uma melhor sobrevida de prematuros.
“Embora a hierarquização dos direitos fundamentais possa ensejar alguma polêmica, resta claro que sem a vida não há que se falar em quaisquer outros direitos”, afirma a associação, que defende que a ação reconheça a vida do feto como o “principal direito fundamental e natural da pessoa humana”.
Argumenta, ainda, que tem o direito de integrar o grupo de “amigos da Corte” por congregar mais de 300 magistrados do Brasil, em todas as esferas, e está presente em 24 estados.
“A Abrame tem por finalidade, dentre outras, operar ativamente no sentido da espiritualização do Direito, da humanização da Justiça, entendendo a natureza espiritual, interexistencial e multiexistencial do ser humano”, afirma.
Já a Federação Espírita Brasileira reproduz os mesmos argumentos da Abrame e afirma que, para solucionar o dilema levantado pela ação, é necessário esclarecer algumas questões.
Uma delas, segundo a FEB, receberia “‘pena/sanção’ de morte por um crime que não cometeu (quando deveria ser considerado duplamente vítima), dado o contexto em que foi gerado e pelo fato de supostamente não ser conhecido como ser humano pelo estado.
Cabe, agora, ao ministro Alexandre de Moraes autorizar, ou não, o ingresso das entidades no processo.