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    HÁ VINTE ANOS – O pianista e o PT (Por Ana Maria Pacheco Lopes)

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    Tem entre 20 e 30 anos de idade. Não sabe mais quem é, não sabe de onde veio, não sabe como foi parar ali. Sem memória, encontrado a vagar pelas ruas.

    Está sob cuidados psiquiátricos. Até agora, ninguém conseguiu restabelecer sua identidade. Seu passado sumiu.

    Recusa-se a se comunicar e fica ansioso sempre que alguém tenta falar com ele e trazê-lo de volta à realidade. Ao lhe darem lápis e papel, desenhou com perfeição um piano de cauda. Levado a um piano real, começou a tocar – e só parou duas horas mais tarde.

    O capelão do hospital diz que ele sabe tocar, conhece algumas músicas, não muitas, mas não é nenhum gênio do piano. Repete e repete as mesmas músicas. A maioria delas o capelão não consegue identificar. Reconheceu apenas duas: Imagine, de John Lennon, e o Lago do Cisne, de Tchaikovsky.

    A lembrança da canção de Lennon e do ballet mais dançado do mundo, que conta a história do príncipe que se casa com a princesa encantada em cisne, soa como metáfora. Ou estranha ironia.

    Os psiquiatras tentam descobrir se ele quer passar alguma mensagem ao repetir e repetir as duas músicas. Quem sabe sejam pistas para recuperar a identidade que perdeu.

    A preocupação do assistente social que cuida do desmemoriado é mais prosaica: “Alguém deve estar sentindo falta dele”, angustia-se.

    Talvez 53 milhões de eleitores.

     

    (Publicado aqui em 23 de junho de 2005)