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    Invasão e arma na cara: 6 casas foram alvo de ação ilegal da PM em SP

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    Uma jovem de 20 anos dormia, na zona leste paulistana, quando foi despertada por um forte som de batidas. Era o início da manhã de 30 de maio e, ao abrir a porta, deu de cara com cinco policiais militares, fortemente armados.

    Na viela onde ela reside, no bairro Cidade Tiradentes, havia um suposto ponto de tráfico de drogas, investigado por conta própria por PMs, que conseguiram uma autorização judicial para realizar buscas em somente um imóvel: uma creche, na qual os policiais sequer colocaram os pés.

    A indicação da instituição infantil foi feita, erroneamente, no pedido de expedição de busca e apreensão assinado pelo coronel Mário Kitsuwa, após equipes do Comando de Policiamento de Área Metropolitano 9 (CPA/M-9) — fugindo de suas atribuições constitucionais — apurarem a rotina de um suposto ponto no qual se vendia e usava-se drogas.

    14 imagensPedido de busca e apreensão foi formalizado por comandante de Bauru PM de Bauru investigou crime, sem comunicar Polícia CivilPMs da Força Tática de SPFechar modal.1 de 14

    Viaturas da PM e do GATE no sequestro em SP

    Reprodução/ TV Bandeirantes2 de 14

    Pedido de busca e apreensão foi formalizado por comandante de Bauru

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    PM de Bauru investigou crime, sem comunicar Polícia Civil

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    PMs da Força Tática de SP

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    PMSP/Divulgação8 de 14

    Sargento da PM matou esposa e atirou na filha após invadir clínica

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    Policial militar de SP com braçadeira da Rota

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    Policial militar de SP próximo a viatura

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    PMs de São Paulo

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    Viaturas da PM de São Paulo

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    PMSP/Reprodução

    Mentindo, enquanto forçavam a entrada no local, os PMs afirmaram à jovem de 20 anos que estavam autorizados judicialmente a entrar na residência — após empurrarem a porta.

    “O mandado [de busca] não foi exibido, nem qualquer autorização foi apresentada ou entregue à declarante”, diz trecho de representação assinada pela promotora de Justiça Adriana Ribeiro Soares de Morais.

    Além do imóvel da jovem, no qual estavam seus dois filhos pequenos — dos quais um foi coagidos por um cão farejador — outras cinco casas também foram invadidas ilegalmente pelos policiais.

    Prisão revogada

    O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) mandou soltar, nessa quarta-feira (25/6), Antônio Valdir de Souza Cabral, após ele ser preso em flagrante, em 30 de maio, por PMs que entraram na casa do suspeito, sem autorização judicial, e na qual teriam apreendido drogas. Ele mora na mesma rua que a jovem de 20 anos, despertada com batidas na porta de casa.

    A decisão assinada pela juíza Carla Santos Belestreri, para soltar o suspeito, endossa argumento da promotora de Justiça Adriana Ribeiro, que apontou ilegalidades cometidas pelos policiais militares na realização da prisão.

    O Metrópoles mostrou que Antônio Valdir foi detido após o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, solicitado pelo coronel Kitsuwa, expedido pelo juiz Luigi Monteiro Sestari.

    Os militares haviam indicado no pedido o endereço de uma creche. O alvo de interesse da PM, no entanto, ficava a cerca de 200 metros de distância da instituição de ensino infantil.

    Mesmo constatando a discrepância de numeração, os PMs foram à viela, na qual entraram sem autorização judicial na casa de Antônio Valdir, na residência da jovem de 20 anos e, ao menos, em outros quatro endereços, cujos moradores denunciaram coação por parte dos policiais.

    Fuzil na cara

    Outro morador da viela afirmou que a porta de casa estava entreaberta, em frente a qual há um portão, trancado à chave.

    “Os policiais chegaram agressivos, apontando um fuzil, exigindo para que abrisse a grade, o que foi negado”.

    O homem, que prestou depoimento ao Ministério Público de São Paulo (MPSP), acrescentou ter solicitado o mandado de busca aos PMs. Um policial, disse ainda, teria confirmado a posse do suposto documento. “Diante da insistência dos policiais, abriu a porta da casa”.

    Nada foi encontrado na residência, onde os PMs ingressaram ilegalmente.

    Somente na casa de Antônio Valdir os policiais afirmaram ter encontrado drogas, apresentadas à Polícia Civil, juntamente com o suspeito, preso em flagrante.

    Ilegalidades legalizadas

    O pedido de busca e apreensão resultou, como mostrado pelo Metrópoles, de uma investigação e de diligências realizadas por policiais militares, em 21 de maio, após o CPA/M-9 receber uma denúncia via 190.

    A denúncia dizia que um imóvel no bairro Cidade Tiradentes era indicado como ponto de venda e consumo de drogas — como foi reforçado em outras duas ligações feitas ao Disque Denúncia.

    Em vez de repassar a denúncia à Polícia Civil, os policiais militares iniciaram um levantamento por conta própria, que resultou em um relatório. No documento, apresentado primeiramente ao MPSP, havia fotos ilustrando a dinâmica do tráfico de drogas no imóvel.

    Prisão anulada

    Com base na apuração militar, o MPSP se manifestou favorável à expedição do mandado e foi seguido pelo juiz Luigi Monteiro Sestari. O magistrado aceitou a investigação da PM e, a partir dela, expediu o mandado em 26 de maio.

    A prisão de Antônio Valdir ocorreu quatro dias depois, em cumprimento ao documento judicial, mas em um endereço diferente.

    Na ocasião, os PMs afirmaram terem dito acesso ao celular do suspeito, no qual teriam constatado provas — em foto — do suposto tráfico de drogas a ele atribuído. O aparelho, porém, não foi apreendido, nem apresentado na delegacia.

    Esses detalhes foram usados como argumento pela promotora Adriana Ribeiro para anular a prisão, assim como desconsiderar a investigação dos PMs e as provas por eles apresentadas (maconha, cocaína e crack) e mencionada (celular).

    “A diligência de busca e apreensão que ensejou a referida apreensão de drogas foi ilegal”, afirmou a promotora, “ensejando a nulidade de todas as provas coletadas, o que inviabiliza o início da persecução penal”.

    Ela solicitou o arquivamento do caso e a revogação da prisão de Antônio Valdir de Souza Cabral, tendo os pedidos atendidos pelo TJSP.

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    “Crise de identidade funcional”

    André Santos, presidente da Associação de Delegados de São Paulo (Adpesp), afirmou ao Metrópoles, nessa quinta-feira (26/6), que a PM cometeu “erros absurdos” ao pedir e cumprir o mandado de busca e apreensão.

    Entre eles, pontuou, está a “invasão indiscriminada” de casas da comunidade, além do desaparecimento do celular do suspeito preso, resultando em prejuízos à coleta de provas sobre o suposto tráfico de drogas.

    “E não para por aqui: ainda temos os praças [PMs de baixa patente], que vão responder por cumprir uma ordem viciada desde a origem, decorrente do erro de um oficial com crise de identidade funcional, tentando atuar como delegado de polícia”.

    Em nota encaminhada ao Metrópoles, na ocasião da prisão, a SSP informou que o cumprimento do mandado em Cidade Tiradentes “ocorreu com o parecer favorável do Ministério Público”.

    “A ação resultou na apreensão de 4 kg de entorpecentes em um depósito. Também foram apreendidos dinheiro e caderno com anotações do tráfico. Todo o material foi encaminhado para a perícia”, acrescentou a pasta, que não se manifestou sobre o erro no pedido de mandado que indicava o endereço de uma escola infantil.