Interrompido por um cessar-fogo esta semana, o conflito recente entre Israel e Irã é o sintoma mais dramático de um mundo que vive em estado de crise permanente, com atritos entre países aliados das duas grandes superpotências globais, Estados Unidos e China.
A avaliação é do historiador, podcaster, youtuber e professor Filipe Nobre Figueiredo. Filipe é criador do Xadrez Verbal, atualmente o maior podcast sobre política internacional do Brasil.
À coluna, ele respondeu três perguntas sobre a guerra entre Israel e o Irã. Em 12 dias, o conflito deixou ao menos 638 mortos e quase 8 mil feridos; terminou também com a destruição de várias instalações nucleares iranianas.
Abaixo, os principais trechos.
Metrópoles – Quão próximo o mundo está de um conflito generalizado?
Filipe Nobre Figueiredo – Quando se fala de conflito generalizado, podemos pensar nisso de duas formas. A primeira, é da “terceira guerra mundial”. Termo usado pelo (presidente da Rússia, Vladimir) Putin recentemente.
Uma terceira guerra envolve a ideia de embates diretos entre superpotências. E isso significaria um conflito potencialmente nuclear, o que certamente teria consequências desastrosas. Não acho que estejamos tão próximos assim de um conflito deflagrado, aberto e direto, entre as potências.
Especialmente considerando que um embate nesse sentido provavelmente seria um embate entre China e Estados Unidos. Podemos considerar que os dois estão se preparando para um possível conflito futuro. Porém, isso, hoje, ainda não é uma prioridade, e nem essa preparação está concluída.
Por outro lado, a gente pode ver conflito generalizado como algo ligado àquela que foi considerada a “palavra do ano” alguns anos atrás (em 2022, pelo dicionário britânico Collins), que é “permacrise”. Ou seja, crise permanente.
Temos hoje um conflito generalizado entre as potências? Não. Mas temos uma série de conflitos em que países ou grupos aliados a estas potências estão travando lutas menores, regionais.
Só para ficar no Oriente Médio: há guerra civil do Iêmen; a guerra Israel-Hamas; a guerra Israel-Hezbollah; as questões internas no Líbano; a guerra civil na Síria; a guerra civil no Iraque; a guerra Irã-Israel. Tensões entre o Catar e os vizinhos. São vários conflitos ocorrendo ao mesmo tempo, mas sem um embate direto entre as potências.
Metrópoles – Como o conflito pode afetar o Brasil, do ponto de vista econômico?
Filipe Nobre Figueiredo – Existem dois possíveis efeitos principais. O primeiro, mais óbvio, é o petróleo. Embora o Brasil não seja um grande importador de petróleo iraniano, a guerra pode provocar uma alta do preço. E também uma alta do frete do petróleo, com desdobramento nas principais rotas.
O frete do petróleo também influencia nos custos do combustível refinado, e, como sabemos, o preço do combustível tem um efeito cascata em toda a economia, afetando pesadamente a inflação. Alimentos precisam ser transportados por caminhão.
O segundo efeito é nos insumos de produção agrícola, como os fertilizantes. O leitor talvez se lembre de que, anos atrás, dois navios iranianos ficaram detidos nos portos brasileiros (…).
Aqueles navios estavam aqui porque vieram carregados de insumos para a agricultura. O agro brasileiro depende de importar insumos, e um dos principais fornecedores é o Irã, assim como Israel.
Metrópoles – Nos últimos anos, o Brasil vem se aproximando de países que agora estão se alinhando ao Irã – somos hoje mais próximos da China e da Rússia, por exemplo, do que éramos há alguns anos. Isto pode ser um risco?
Filipe Nobre Figueiredo – O Brasil é membro fundador do BRICS (bloco formado originalmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). E, nos anos recentes, o BRICS, que inclui Rússia e China, foi expandido, para envolver uma nova leva de países que inclui o Irã. É o chamado BRICS Plus (ou BRICS +).
Esse termo, BRICS, surgiu no mercado financeiro para designar cinco países, que, no começo do século XXI, eram considerados grandes polos econômicos emergentes e com atração de investimentos (…). A participação brasileira no BRICS é focada principalmente em temas econômicos e de desenvolvimento.
O BRICS é muitas vezes mal interpretado como uma espécie de aliança anti-ocidental. Mas é importante lembrar que o BRICS é um fórum de cooperação que sequer pode ser considerado uma aliança stricto sensu. Não existem pactos de cooperação ou sequer uma secretaria geral.
O que acontece é que, em paralelo ao BRICS, tivemos o aprofundamento de relações entre Rússia e China, e essas relações, aí sim, incluem cooperação tecnológica, militar e em outros temas (…).
Mas, dentro do BRICS, temos países que estão em lados opostos em diversos temas, como a reforma da governança global. Índia e China divergem em pautas como a reforma do Conselho de Segurança da ONU, por exemplo.
Então, resumindo, não há grandes riscos de um envolvimento brasileiro nesse conflito. O Brasil não tem interesse nisso. A presença brasileira é afetada pelo fato de que as embaixadas brasileiras, em Teerã e em Tel Aviv, estão vagas (…). Não vejo grandes riscos, nesse sentido.