Portal Estado do Acre Notícias

Juiz sob suspeita integrava grupo “Amigos” com advogado, diz PF

Juiz sob suspeita integrava grupo “Amigos” com advogado, diz PF

Documento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que propôs a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra Paulo Afonso de Oliveira, juiz afastado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, mostra o uso de um grupo no WhatsApp chamado “Amigos” para troca de informações.

A suspeita da Polícia Federal (PF) é que o grupo era utilizado no âmbito de um esquema de venda de sentença.

Análise do grupo feita pela PF mostra que foram trocadas 6.986 mensagens entre os integrantes em um desses grupos, todas posteriormente deletadas.  Segundo o CNJ, “foi constatado que os investigados costumavam criar e esvaziar grupos de mensagens sucessivamente”.

Paulo Afonso, titular da 2ª Vara Cível de Campo Grande, foi um dos alvos da operação “Ultima Ratio”, da PF, que investiga suposta venda de decisões no TJMS. As informações da investigação foram compartilhadas com o CNJ depois da abertura de uma reclamação contra o magistrado no Conselho.

O grupo era denominado “Amigos” e teria sido criado pelo advogado Fábio Castro Leandro, que também foi alvo da operação. À coluna, ele nega ter criado o grupo ou manter contato pessoal com Paulo Afonso.

Segundo consta na manifestação do Corregedor Nacional de Justiça, Mauro Campbell Marques, que votou pela abertura do PAD, havia dois grupos homônimos. O primeiro, criado em 12 de julho de 2015, tinha Fábio como “owner” do grupo, ou seja, o proprietário.

Nesse primeiro, a PF somente encontrou três integrantes após as mensagens serem apagadas.

Depois da desativação desse primeiro grupo, outro foi criado, igualmente pelo advogado, com o mesmo nome “Amigos” e a mesma imagem de perfil. Nele, havia 37 participantes, dentre os quais Fábio Castro Leandro e o magistrado afastado Paulo Afonso de Oliveira.

“[…] sendo provável, portanto, que tais grupos de mensagens estruturados pelo advogado Fábio Castro Leandro fossem o meio utilizado para a troca de informações, tendo havido sua nova constituição apenas para excluir o grupo anterior, que contava com a presença de Aldo Ferreira da Silva Júnior, notadamente, após o desenrolar da ação penal que alcançou sua pessoa e sua esposa”, diz trecho do documento.

As informações foram obtidas pelas autoridades por meio da extração de dados do celular de Fábio Castro Leandro.

A defesa de Paulo Afonso alega que seu contato com o advogado era puramente profissional.

Fábio é filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro, do mesmo tribunal. Segundo dados da Controladoria Geral da União (CGU), em 2018, Fábio teria recebido de uma advogada R$ 105 mil um dia depois de ela ter extraído mais de R$ 5 milhões das contas bancárias de uma vítima.

Os dados obtidos por meio da extração também demonstrariam, segundo o corregedor, que o advogado era “convocado com frequência” para o gabinete de Aldo e Paulo Afonso.

Segundo as apurações, o juiz teria recebido vantagem indevida para proferir decisões judiciais, além de haver indícios de movimentação financeira incompatível com o patrimônio declarado ao Fisco. Entre seus bens, estariam um avião e uma fazenda.

“Por fim, também é digna de nota a aquisição pelo magistrado da Fazenda Recanto da Serra, em 27.05.2008, pelo valor subdeclarado de setecentos mil reais. Atualmente, é sabido que uma Fazenda de mil hectares do interior de Mato Grosso do Sul é avaliada entre 30 e 70 milhões reais, sendo fortes os indícios de que tal bem possa ter sido adquirido com recursos ilícitos ou não declarados, por parte do magistrado Paulo Afonso de Oliveira”, afirma Campbell Marques.

O corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell MarquesO corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell Marques

Segundo as apurações, ele também teria elaborado uma proposta de compra de outra fazenda pelo valor de R$ 18 milhões, “montante equivalente a aproximadamente 35 anos do subsídio bruto de um desembargador no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul”.

“Malgrado o negócio em apreço não tenha se concretizado, é notável a intenção do magistrado em adquirir bem de elevadíssimo valor agregado, em montantes manifestamente incompatíveis com seus rendimentos declarados, seja como magistrado, seja como produtor rural”.

Por fim, o corregedor afirma que todos os elementos de apuração compartilhados com o CNJ reforçam que Paulo Afonso “muito possivelmente, recebeu vantagem indevida para proferir decisões judiciais, manifestando patrimônio incompatível com seus rendimentos formais, a justificar, na percepção desta Corregedoria Nacional de Justiça, a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em seu desfavor”.

O PAD foi aberto em 10 de junho, depois de uma votação unânime dos conselheiros do CNJ, que também entenderam pela manutenção do afastamento cautelar do magistrado.

Defesa

Em alegações apresentadas ao Conselho, Paulo Afonso argumentou que a reclamação disciplinar contra ele, que deu origem ao PAD, deveria ser arquivada por ausência de justa causa.

Segundo sua defesa, havia dois grupos de mensagens com o nome “Amigos”. Sobre o primeiro, já desativado e esvaziado, para o qual foram enviadas 6.986 mensagens, todas elas apagadas, diz que não há provas de que Paulo Afonso o integrava.

Alega que, de fato, ele compunha o segundo grupo criado pelo advogado Fábio Castro Leandro e outras 35 pessoas, também denominado “Amigos”, em que constam apenas 24 mensagens. No entanto, diz que não há registro de troca de mensagens entre Paulo Afonso e Fábio.

Ao tratar das menções feitas a seu nome durante a interceptação, pelo escritório de Fábio, diz que “colhem-se apenas duas ocasiões em que o magistrado Paulo Afonso, provavelmente retornando contato do advogado, que buscava despachar algum processo, entrou em contato com o escritório do advogado”.

Diz a defesa que “provavelmente” porque ele não se lembra de referidos contatos. Porém, era uma prática corriqueira na vara ocupada por Paulo Afonso “retornar a advogados que buscassem o magistrado para despachar processos enquanto ele estava em audiência ou momentaneamente ausente do gabinete”.

“Foram aglutinadas numa só informações diversas e, como visto, totalmente distorcidas, nada havendo nos autos que justifique a afirmação de que Paulo Afonso, Aldo Ferreira e Fábio Castro mantivessem contato entre si a partir de grupo de WhatsApp e posteriormente apagassem suas mensagens”, afirmou a defesa.

Com relação aos bens por ele adquiridos, diz que o avião tinha equipamentos obsoletos, e portanto, não atingiria o valor mencionado nas apurações.

Sobre a Fazenda Recanto da Serra, Paulo Afonso diz que a terra foi adquirida por ele e sua ex-mulher em 2008, há quase 10 anos. Nesse sentido, além de não ter relação com os autos, diz que a maior parte da propriedade é constituída por reserva ambiental, e portanto, não pode ser utilizada para exploração econômica.

Por fim, quanto à elaboração de proposta para compra da segunda fazenda, diz que não passou de “mera cogitação”, tanto que sequer enviou a proposta ao vendedor. “A desistência se deu porque ambos concluíram que não teriam capacidade financeira para assumir o compromisso dessa monta”, afirma.

A coluna entrou em contato com o advogado Fábio Castro, que alega que “não criou grupo nenhum” e que era apenas uma “coincidência” estar no grupo com o magistrado.

“Não há uma ligação direta disso [do grupo]. Eu tenho grupos aqui que eu nem conheço as pessoas, que eu sequer conheço pessoalmente”, afirmou à coluna. Para ele, não há “lógica nenhuma” uma ligação entre ele e o magistrado, uma vez que ele não possui relação pessoal com Paulo Afonso.

Sobre o recebimento do montante da advogada, ele diz que já foi explicado às autoridades ainda em 2018.

“Eu como advogado, eu tinha relação profissional com qualquer um [magistrados]. Eu entrego memorial, eu vou atrás do direito dos meu clientes, mas nesse caso não tem relação nenhuma”, disse.

Sair da versão mobile