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Junho Violeta: violência contra idosos é silenciosa, diz especialista

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Junho Violeta: violência contra idosos é silenciosa, diz especialista

Negligência, abandono, violência psicológica, abuso financeiro. Essas são algumas das formas de violência enfrentadas por milhares de idosos no Brasil que, neste Junho Violeta, voltam ao centro das campanhas de conscientização. Em números absolutos, o estado de São Paulo lidera o ranking nacional de denúncias e violações contra pessoas idosas, com cerca de 19 mil denúncias e mais de 111 mil violações registradas entre janeiro e o início de junho deste ano. Especialistas ouvidos pelo Metrópoles alertam, no entanto, que a subnotificação de casos esconde a real dimensão deste problema de saúde pública.

Marília Berzins, especialista em gerontologia e diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) de São Paulo, analisa que a violência contra a pessoa idosa é silenciosa, invisibilizada e, muitas vezes, naturalizada até por quem deveria proteger. “Quando pensamos nos casos de notificação, não é apenas o dado em si que diz a realidade. Realmente há uma subnotificação”, disse a doutora em saúde pública.

De acordo com a especialista, é muito difícil para uma pessoa idosa reconhecer que está sendo vítima de violência, porque muitas vezes a agressão ou o abuso vem de um próprio membro da família. “Um fator muito complicado é que a pessoa às vezes tem dificuldade de romper esse ciclo de violência, porque ela depende dessa pessoa para lhe ajudar. E às vezes é o único relacionamento afetivo que ela tem, e aí há o medo de que isso venha a causar uma situação desfavorável”, destaca Marília Berzins.

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Negligência, abandono e abuso psicológico estão entre as principais formas de violência contra idosos no Brasil

Rafaela Felicciano/Metrópoles2 de 5

Em São Paulo, foram mais de 19 mil denúncias de violência contra idosos só nos primeiros meses de 2025

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Uma única denúncia pode envolver diferentes tipos de violações, como agressão, abandono e abuso financeiro

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O medo de romper laços afetivos faz com que muitos idosos não denunciem as violências que sofrem

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Campanhas como o Junho Violeta buscam chamar atenção para as diferentes formas de violência contra pessoas idosas

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Tipos de violência

A especialista em gerontologia e CEO da Longevidade Consultoria Sandra Gomes corrobora também enfatiza a questão cultural como um dos fatores que dificultam o enfrentamento da violência. “A velhice é percebida como uma fase de declínio, de dependência, o que materializa o desrespeito, as agressões e a infantilização da pessoa idosa. Culturalmente, nós temos de rever isso. Socialmente, há uma resistência de intervir no espaço da família.”

No âmbito nacional, o Disque 100 é o órgão oficial do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) para recebimento de denúncias de violações de direitos de pessoas idosas. Com base no Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, o Metrópoles apurou que São Paulo é o sétimo estado do país com maior número de denúncias a cada 100 mil habitantes, e 14º em quantidade de violações na mesma proporção.

No ano passado, no mesmo período, o número de denúncias e de violações foram ligeiramente menores: 18,7 mil e 109,1 mil, respectivamente. Em todo o ano de 2024, foram cerca de 45 mil denúncias e mais de 261 mil violações em todo o estado.

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Uma denúncia corresponde a cada vez que uma pessoa relata um caso de violência ou violação de direitos contra idosos aos órgãos competentes, como a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Já as violações representam o número de diferentes tipos de abusos registrados dentro de uma mesma denúncia. Ou seja, uma única denúncia pode envolver várias violações, como agressão física, abandono, negligência, abuso financeiro e outros ao mesmo tempo.

Para Berzins, a mudança do número de casos não pode ser associada diretamente ao aumento ou redução da violência em si, porque há ainda um longo caminho para garantir que as violências sejam devidamente reportadas. “Não é só analisar o dado pelo dado. A gente sabe que cada vez mais a violência se manifesta e com essas campanhas a gente vai falando para a sociedade o que é violência, as formas de violência, aí as pessoas vão procurar ajuda e sobe a notificação dos casos.”

Cidade de SP

No município de São Paulo, a Ouvidoria de Direitos Humanos recebeu, até abril deste ano, 270 manifestações: 156 de negligência e abandono, 88 de violência e maus-tratos e 26 de abuso financeiro e econômico. No ano passado, foram registradas 591 manifestações relacionadas a violações de direitos à pessoa idosa, sendo 325 manifestações de negligência e abandono, 226 registros de violência e maus-tratos e 40 manifestações de abuso financeiro e econômico.

A cidade tem mais de 2 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, de acordo com o Censo de 2022, número em crescente progressão. Entre 2010 e 2022, houve um acréscimo de quase 700 mil pessoas idosas, um aumento de 51,1%, o que requer cuidados especiais e uma política permanente para atender a população.

De acordo com a Prefeitura de São Paulo, a Coordenação de Políticas para a Pessoa Idosa e Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa atuam de forma integrada com outras secretarias municipais para enfrentar esse problema de saúde pública.  “Nossas políticas públicas fortalecem a voz dos idosos, criando canais de denúncia acessíveis e estimulando o seu protagonismo social”, afirma a coordenadora de Políticas Públicas, Josefa Anadete dos Santos Silva.

Rigor na notificação

A especialista também  chama a atenção para a distinção de abordagem entre as vítimas de diferentes faixas etárias no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo ela, enquanto casos suspeitos envolvendo crianças e adolescentes despertam maior rigor na investigação e notificação por parte dos profissionais de saúde, as situações envolvendo idosos muitas vezes passam despercebidas ou são tratadas como “naturais” para a idade.

“Por exemplo, quando chega num serviço de saúde uma criança em que os pais ou responsáveis dizem que ela caiu. Qualquer profissional de saúde sabe suspeitar se aquela queda foi provocada ou foi uma queda acidental. Mas quando chega uma pessoa idosa com relato de uma queda, pode passar na cabeça dos profissionais que é normal a pessoa idosa cair. Mas será que aquela queda não foi provocada? Será que foi por negligência? Será que não foi por abandono?”, provoca a especialista.

Em forma de política pública, uma das ações possíveis é cobrar dos profissionais de saúde o cumprimento da obrigação de notificar os casos suspeitos ou confirmados de violência contra idosos. “A saúde tem que notificar. Essa notificação é obrigatória, porque a saúde, via a Organização Mundial da Saúde, define que a violência é uma questão de saúde”, reforça Berzins.

Como denunciar

No âmbito nacional, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) oferece canais de denúncia como o Disque 100, que recebe denúncias de violações de direitos, incluindo violência contra idosos.

Na cidade de São Paulo, entre os diferentes meios para denunciar casos de violência, há o sistema SP 156, mas também os canais da Ouvidoria de Direitos Humanos, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), além do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Defensoria Pública do Estado e os Núcleos de Prevenção à Violência (NPV), da Secretaria Municipal de Saúde.

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