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    Mercado critica medidas de compensação do IOF. Bolsa desaba

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    O mercado recebeu mal as medidas do acordo feito entre o governo federal e lideranças do Congresso para compensar a menor arrecadação com o recuo da cobrança de algumas alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Por “receber mal”, entenda-se: o dólar subiu, o Ibovespa, o principal índice da Bolsa brasileira (B3) desabou (às 11h05, ele caía 1,35%) e as críticas feitas por agentes econômicos têm pipocado – e são severas. As iniciativas anunciadas pelo governo incluem o aumento da tributação das bets e fim da isenção do Imposto de Renda (IR) sobre LCI e LCA.

    “Fiquei a semana toda achando que viriam medidas de corte de gastos, de eficiência do Estado brasileiro, e fiquei um pouco surpreso porque não as vi no que foi ventilado no anúncio de ontem”, diz Rafael Furlanetti, presidente da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord).

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    Furlanetti considera que existem soluções para fechar as contas do governo neste ano, mas elas não estão na mesa. “Por exemplo, os dividendos do BNDES”, afirma. “Parece-me que o BNDES não precisa ter um excedente de capital de R$ 100 bilhões. Não é uma política anticíclica? Não dá para devolver dividendos à sociedade brasileira? Eu acho que dá.”

    O presidente da Ancord cita ainda o excedente de petróleo, como outra opção. “São mais de R$ 20 bilhões que podem ser arrecadados”, diz Furlanetti. “O fato é que, nesses momentos, com a  ajuda do Parlamento, a gente tem que debater. Em todas as esferas, a gente vai ter que abrir mão de alguma coisa. Em uma sociedade onde todo mundo quer garantir o seu, a gente não vai chegar a lugar nenhum.”

    Aumento da arrecadação

    Na avaliação de Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos, as “medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda no domingo representam uma tentativa direta de aumentar a arrecadação federal em um momento de forte pressão fiscal”. “Fica claro que essa recalibragem será usada como instrumento compensatório, ou seja, com o aumento de arrecadação vindo da taxação das bets e do fim da isenção de alguns papéis de renda fixa”, afirma Patzlaff. “Com isso, o governo pode suavizar ou rever parte do aumento recente do IOF Crédito anunciado na semana retrasada.”

    Para o especialista, a “recalibragem” proposta “pode representar alívio parcial no custo do crédito para empresas”. “É uma tentativa do governo de preservar o arcabouço fiscal, diante da frustração de receitas e resistência no Congresso a outras fontes de arrecadação”, diz. “E uma compensação política para setores que reclamaram fortemente do aumento do IOF nas últimas semanas, além de uma busca por melhorar a imagem do governo em si.”

    Dependência

    Patzlaff observa que, “o que chama atenção” nas propostas é o fato de essa “estratégia reforçar a dependência do governo sobre tributos indiretos e mudanças pontuais de curto prazo, em vez de uma reforma mais estruturada do sistema tributário”. “Além disso, usar o IOF como moeda de troca levanta preocupações sobre a instabilidade e a imprevisibilidade das regras fiscais, o que dificulta o planejamento de empresas, investidores e instituições financeiras.”

    Ele acrescenta que a proposta de tributar títulos hoje isentos de imposto de renda, como LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), LCIs (do setor imobiliário), CRI e CRA, tem impactos profundos no mercado financeiro brasileiro especialmente para investidores pessoa física e para o financiamento de setores estratégicos como o agronegócio.

    “Para o investidor a principal atratividade desses títulos sempre foi a isenção de IR, o que tornava seu retorno líquido mais competitivo do que CDBs, fundos e até Tesouro Direto, mesmo quando pagavam percentuais menores do CDI”, afirma.

    Perda de atratividade

    “Com o fim da isenção, a rentabilidade líquida desses papéis, podemos esperar que eles se tornem menos atrativos frente a outros papéis, principalmente num cenário de juros elevados”, acrescenta o técnico. “O investidor pessoa física, que vinha buscando refúgio na renda fixa isenta diante da alta da Selic e da volatilidade da Bolsa, perderá um dos principais instrumentos de otimização fiscal no curto prazo.”

    Além disso, nota Patzlaff, pode haver desinformação ou insegurança entre os pequenos investidores, muitos dos quais acessam LCAs por meio de plataformas digitais e bancões, sem entender completamente as implicações tributárias.

    Custos mais altos

    O especialista diz ainda que, para os emissores, a isenção permitia captar recursos com custo mais baixo, mas com a tributação, eles terão de oferecer taxas mais altas para manter o interesse. E isso pode aumentar o custo de funding dos bancos e pressionar o crédito rural, especialmente de pequenos e médios produtores, em um momento em que o agronegócio sofre com custos elevados e restrições climáticas. Há também uma possível redução da liquidez e do volume de emissões, com impacto direto sobre a capacidade de financiamento do setor agropecuário.

    “A tributação das LCAs tem potencial de gerar uma quebra na dinâmica de oferta e demanda desses títulos”, afirma Patzlaff. “Embora possa aumentar a arrecadação no curto prazo, ela pode desestimular o pequeno investidor de renda fixa, encarecer o crédito agropecuário, e enfraquecer o canal de financiamento privado para setores estratégicos da economia. É uma decisão que exige cautela, transição gradual e diálogo com o mercado, pois o impacto pode ser mais estrutural do que inicialmente parece.”