Policiais penais ouvidos pelo Metrópoles apontam ilegalidades no projeto-piloto encabeçado pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo que permite, entre outras coisas, que policiais militares que atuam no centro da capital prendam procurados da Justiça e os conduzam diretamente ao sistema prisional. Na prática, a captura não seria formalizada na Polícia Civil e a participação em audiência de custódia só ocorreria depois que o foragido já estivesse na cadeia.
As medidas, adotadas em caráter de teste na área do Comando de Policiamento de Área 1 (CPAM-1) a partir dessa quarta-feira (4/6), foram consideradas ilegais e passíveis de criar “um perigoso precedente” pelo Sindicato dos Policiais Penais de São Paulo (Sifusperp). Até o momento, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do estado não se manifestou.
O sindicato lembra que o trâmite natural em casos de prisão de foragidos é que os presos sejam encaminhados primeiramente a uma unidade da Polícia Civil. Isso ocorre em razão de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determina que, antes do ingresso de um criminoso no sistema carcerário, é necessária a expedição de uma guia de recolhimento ou de internação do preso, documento expedido pela autoridade judiciária.
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Governador de SP Tarcísio de Freitas (Republicados) a esquerda e Guilherme Derrite
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PM da reserva Guilherme Derrite
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Guilherme Derrite é o titular da SSP
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Gestão Derrite agrava racha entre polícias Civil e Militar, afirmam membros das instituições
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À reportagem, o CNJ afirmou, na manhã desta quinta-feira (5/6), que não iria se manifestar sobre o descumprimento de suas resoluções, “visto que o Conselho pode ser instado oficialmente a se manifestar sobre o caso concreto”. Ou seja, caso alguém acione o CNJ formalmente, como a Defensoria Pública ou a Ordem dos Advogados do Brasil.
“Sem amparo legal”
Como revelado pelo Metrópoles, o projeto da gestão Guilherme Derrite, titular da SSP, permite que PMs levem os presos, sem a guia de recolhimento, diretamente para a cadeia, deixando aos policiais penais a atribuição de conduzir os detidos, em até 24 horas, para uma audiência de custódia, como estabelece o Código de Processo Penal.
Sem a guia de recolhimento, a administração penitenciária não consegue confirmar a legalidade da prisão, “expondo agentes penais à responsabilização por acolher presos sem amparo legal”.
O Metrópoles envia questionamentos sobre a situação para a SAP desde terça-feira (3/5), sem sucesso. O espaço segue aberto para manifestações.
Policiais penais pegos de surpresa
“A segurança pública não pode ser tratada com improviso. Nós percebemos que, nos últimos anos, tudo é improviso. E principalmente quem está na ponta que vai ser afetado, que vai ter que obedecer a ordem, não está sendo comunicado, não tem um decreto, uma resolução”, criticou um policial penal que atua na capital paulista.
Ele acrescentou ainda que, se o réu já está preso, a Polícia Penal pode levá-lo às principais audiências do processo.
“É função nossa quando tem audiência, correto? O que não está correto é os policiais [penais] irem buscar os presos, após a audiência de custódia, porque ele ainda não está sob a guarda do sistema prisional. Ele só está sob nossa guarda após ser feita sua inclusão na unidade prisional”, explicou.
Outro policial penal, também ouvido pelo Metrópoles em condição de sigilo, afirmou que soube do projeto após a publicação da reportagem. “Por enquanto, não veio informação alguma por parte dos diretores”, afirmou. Ele trabalha no Complexo Penitenciário 2 de Guarulhos, na Grande São Paulo.
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Para essa unidade, como prevê o projeto da SSP, serão levados os capturados que respondem a processos civis, como pensão alimentícia, por exemplo.
Presos do sexo masculino, que respondem a processos criminais, serão levados para o Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, na zona oeste, e as mulheres, para a Penitenciária Feminina do Carandiru, na zona norte paulistana.
Riscos legais
O sindicato dos policiais penais afirmou, em nota, que os profissionais do sistema carcerário “são colocados em um limbo jurídico” ao receber presos sem documentação válida.
O comunicado interno da Polícia Militar que circula no CPAM-1, estabelecendo as regras para o projeto piloto, esclarece que os PMs irão entregar os presos juntamente com um BO da PM. O documento, segundo juristas ouvidos pelo Metrópoles, não tem valor jurídico, como disciplina a resolução do CNJ. Além disso, a Lei de Execuções Penais determina que, sem guia de recolhimento, o ingresso no sistema carcerário é ilegal.
“Isso pode levar a questionamentos judiciais sobre a legitimidade da custódia e responsabilização individual de servidores por descumprimento da lei”, diz trecho de nota do sindicato.
As críticas do sindicato se somam às de policiais e juristas, que consideraram o projeto “inconstitucional”. “Fere direitos fundamentais e determinações claras do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Porém, não causa surpresa, tendo em vista o histórico de arbitrariedades que tem marcado a atuação da PM no Estado de São Paulo nos últimos anos”, disse Conrado Gontijo, professor da PUC-SP e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). “Caberá ao Poder Judiciário, uma vez provocado, declarar a ilegalidade dessa medida e garantir a todos os presos a realização da audiência de custódia.”
O comunicado sobre o projeto-piloto circulou de forma velada na corporação, sem publicação ou anúncio oficial da medida – até o caso ser divulgado pelo Metrópoles.
O que diz a SSP
A SSP afirmou, em nota enviada à reportagem, que a “iniciativa” resultou de “um processo técnico e colaborativo construído ao logo da atual gestão entre as instituições [policiais]”. Nos próximos 15 dias, acrescentou, a região central da capital paulista será usada como área para testar “um fluxo operacional inédito”.
- Segundo a SSP, a iniciativa “automatiza o envio de informações sobre criminosos presos” além de permitir que procurados da Justiça, com mandado de prisão vigente, sejam encaminhados diretamente para a cadeia, “desde que não haja outras ocorrências associadas”.
- O argumento para a implementação do projeto é o de que agilizará procedimentos, não especificados, otimizará recursos e reforçará a integração entre as polícias, “permitindo o rápido retorno dos policiais militares ao patrulhamento e dos policiais civis às investigações”.
- Presos em flagrante, ou em cumprimento de mandados de prisão temporária serão, segundo a SSP, encaminhados à Polícia Civil.
- A pasta chefiada pelo PM da reserva Guilherme Derrite disse ainda que, ao término dos 15 dias de teste, vai avaliar os resultados por meio do Centro Integrado de Comando e Controle.
- Com isso, será analisada a “viabilidade operacional do modelo”, com a proposição de ajustes, ou ainda a ampliação dele.