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PT usou “democracia” para defender entidade suspeita de fraudar o INSS

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PT usou “democracia” para defender entidade suspeita de fraudar o INSS

Ao se posicionarem contra medida provisória que visava combater fraudes no INSS, deputados e senadores de esquerda, especialmente do Partido dos Trabalhadores (PT), afirmaram que a manutenção de entidades associativas de aposentados, como a Contag – suspeita de desviar até R$ 2 bilhões em descontos indevidos –, é importante para a defesa do Estado Democrático de Direito.

Esse argumento foi apresentado pelos parlamentares, por exemplo, para pedir o fim da revalidação anual dos descontos associativos do INSS.

A justificativa consta nas emendas apresentadas por deputados e senadores de esquerda para alterar a Medida Provisória 871/2019. Conforme revelou a coluna, os textos têm a assinatura dos parlamentares, porém, foram redigidos pela própria Contag, de acordo com os metadados dos documentos.

No total, o nome da Contag ou de advogada ligada à entidade aparece como “autor” de 96 das 578 emendas apresentadas junto à MP que visava combater fraudes no INSS.

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo senador Jaques Wagner (PT-BA)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo senador Humberto Costa (PT-PE)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pela deputada federal Jandira Feghali (PSOL-RJ)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo deputado federal Rubens Pereira Júnior (PT-MA)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pela ex- deputada federal Tereza Nelma (PSD-AL)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo ex-senador Jean Paul Prates (PT-RN)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo deputado federal Zé Neto (PT-BA)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo deputado federal Marcon (PT-RS)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo deputado federal Otto Alencar Filho (PSD-BA)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo ex-senador Paulo Rocha (PT-PA)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo deputado federal Patrus Ananias (PT-MG)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo deputado federal João Carlos Bacelar (PL-BA)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo deputado federal Valmir Assunção (PT-BA)

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Metadados mostram digital da Contag em emenda apresentada pelo ex-deputado federal Celso Maldaner (MDB-SC)

Arte/ Metrópoles

Os dados revelam não somente a capilaridade do lobby da Contag – 15 deputados e senadores, sendo nove do PT, assinaram emendas redigidas pela confederação –, mas também a força da atuação da entidade. A pedido da Contag, os parlamentares retiraram do texto a exigência de revalidação anual de assinaturas e autorizações por parte de aposentados e pensionistas. A ideia era que essa revalidação periódica limpasse as fraudes para trás e coibisse também novos abusos.

“Na defesa do próprio Estado Democrático de Direito”

Pelo menos 12 emendas redigidas pela Contag tinham como assunto o fim dessa revalidação anual. Nesses casos, os textos, que são idênticos entre si, foram apresentados pelos então senadores Jean Paul Prates (PT-RN) e Paulo Rocha (PT-PA) e pelos deputados federais Marcon (PT-RS), Patrus Ananias (PT-MG), Zé Neto (PT-BA), Celso Maldaner (MDB-SC) e Tereza Nelma (PSD-AL), que atualmente integra o governo Lula (PT).

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Ex-senador Paulo Rocha (PT-PA)

Divulgação/Câmara dos Deputados2 de 7

Ex-senador Jean Paul Prates (PT-RN)

Roque de Sá/Agência Senado3 de 7

Deputado Patrus Ananias (PT-MG)

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Ex-deputada federal Tereza Nelma (PSD-AL)

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Deputado Zé Neto (PT-BA)

Foto: Agência Câmara6 de 7

Deputado federal Marcon (PT-RS)

Foto: Agência Câmara7 de 7

Ex-deputado Celso Maldaner (MDB-SC)

Foto: Agência Câmara

Na justificativa apresentada, os parlamentares afirmam que associações e entidades sindicais atuam na “proteção dos interesses coletivos e individuais dos partícipes desse grupo”, sendo importante a arrecadação de dinheiro para fazer “frente às despesas da própria associação”.

“Cumpre observar, que o texto constitucional erigiu a liberdade associativa ao status de direito fundamental, em seu artigo 5º, incisos XVII a XXI e artigo 8º, revelando a preocupação do constituinte de 88 em proteger e fomentar o associativismo, garantindo, desta forma, a atuação da sociedade civil na defesa dos próprios interesses e, ainda, na defesa do próprio Estado Democrático de Direito”, diz o documento redigido pela Contag.

“O incentivo constitucional visa, assim, levar aos cidadãos a buscarem a própria independência e autotutela, ao mesmo tempo em que acaba por levar o Estado a intervir cada vez menos nos interesses da sociedade, agindo, somente quando e se absolutamente necessário e ou de forma subsidiária”, prossegue.

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Na sequência, a justificativa da emenda diz que o desconto da mensalidade se tornaria “praticamente inviável” caso as autorizações fossem revalidadas anualmente.

“Inobstante ser clara a diretriz da não interferência estatal no escopo organizativo das entidades associativas sem fins lucrativos, resta conhecida a necessidade de parametrizar os descontos das mensalidades associativas via INSS, visando com isso resguardar o ente público, não sem antes mensurar a inviabilidade operacional de revalidação anual das autorizações que os associados fornecem para o desconto da mensalidade social de seus benefícios previdenciários, haja vista a movimentação diária de autorizações feitas por todas as entidades que mantém Acordo de Cooperação com o INSS. Assim, revalidar cada autorização anualmente torna o desconto da mensalidade social praticamente inviável”, finaliza o texto.

Leia a íntegra de uma dessas emendas:

EMC-128-2019-MPV87119-=_-MPV-871-2019-LIDPT by Tacio Lorran Silva

O que a Polícia Federal diz sobre a Contag

A Contag é a entidade que mais recebeu com descontos associativos do INSS. Entre 2019 e 2024, a confederação ganhou cerca de R$ 2 bilhões por meio desses dispositivos. Não é possível dizer quanto desse valor teria sido objeto de fraudes.

A Polícia Federal identificou que o presidente da Contag, porém, assinou os acordos de cooperação técnica com o INSS e solicitou, em ofício enviado à autarquia, o desbloqueio em lote de 34.487 benefícios para inclusão de descontos associativos, algo considerado irregular pela própria auditoria interna no INSS.

A investigação apontou também para “fundados indícios de lavagem de dinheiro” de pessoas ligadas à entidade, como diretores e procuradores, no pedido de buscas na investigação, no âmbito da Operação Sem Desconto.

Conforme mostrou o colunista Fábio Serapião, do Metrópoles, a PF investiga repasse de R$ 5,2 milhões da Contag para a agência de turismo Orleans Viagens e Turismo.

Prédio do INSS em Brasília

“Os exorbitantes valores recebidos pelas empresas Orleans Viagens e Turismo (…), que não possuem aparente justificativa ou vínculo com a entidade, indicam possível desvio de valores proveniente dos descontos associativos dos aposentados e pensionista do INSS”, diz a PF em representação ao juízo.

O documento também diz que “chama a atenção” que a agência de turismo é proprietária de 12 veículos, sendo a maioria de “aquisição recente e de alto padrão, como Porsche/911, Dodge/Ram Rampage e Volvo/XC60”.

“A instituição financeira que realizou a comunicação ao Coaf destacou que a Orleans apresentou movimentação incompatível com o faturamento declarado, com recebimento expressivo da Contag, sem aparente justificativa ou vínculo com a entidade. Suspeitou-se de movimentação / intermediação de valores em benefício de terceiros, burla ao sistema, sonegação fiscal e possível ilícito envolvendo de verbas públicas”, disse.

Contag diz que MP 871/2019 queria acabar com direito de aposentados

Em nota, a Contag informou que apoia e colabora, há 60 anos, com propostas no Poder Legislativo que busquem garantir direitos da categoria junto ao INSS e a outros órgãos, a exemplo do debate sobre a Medida Provisória (MP) 871/2019.

“É importante frisar que o real impacto da MP seria a suspensão de benefícios, especialmente de segurados rurais com direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Na ocasião, foram propostas medidas, como a criação de um Programa Especial para revisar benefícios com indícios de irregularidade, a concessão de bônus de desempenho a servidores e peritos envolvidos nessas análises e mudanças nas regras de concessão de benefícios, como auxílio-reclusão e pensão por morte, por exemplo”, explicou a entidade.

“Com mais de 60 anos de história e respeitada entre os parlamentares, a Contag repudia qualquer tentativa de generalização que coloque organizações sérias no mesmo patamar que estruturas criadas para fraudar o sistema previdenciário. O movimento sindical rural coordenado pela Contag é legítimo e seguirá na luta pelos interesses da categoria”, prosseguiu.

Parlamentares afirmam que atuaram em nome da bancada do PT

Todos os 15 parlamentares que apresentaram emendas da Contag foram procurados, sendo que seis se manifestaram.

O senador Humberto Costa (PT-CE), por meio de sua assessoria de imprensa, informou que o parlamentar era líder da bancada do PT na época. “Se apresentou emendas, foi nessa condição: em nome da bancada.” Ele foi autor de três proposições elaboradas pela Contag.

Na mesma linha que Humberto Costa, o ex-senador Jean Paul Prates (PT-RN) informou, por meio de nota, que as emendas faziam parte de um bloco apresentado pela bancada do PT, “em resposta a solicitações pontuais de categorias, sindicatos e confederações de trabalhadores ligadas ao partido”.

Segundo escreveu, a MP 871/2019 não visava especificamente combater fraudes, e sim criar dificuldades para beneficiários. “Por isso, naquele momento, houve um esforço da bancada para evitar a retirada completa de benefícios de empregados vinculados a sindicatos. Muito provavelmente, essas emendas foram propostas com o objetivo de garantir que os sindicatos honestos pudessem continuar em atividade — e não para favorecer qualquer grupo irregular”, completou.

Jean Paul foi autor de 11 proposições elaboradas pela Contag. “Nada mais trata-se de oferecer várias versões de texto para que as comissões e o plenário possam escolher algum dos graus que considerem mais pertinente sobre um mesmo assunto, por vezes.”

À coluna o deputado Zé Neto (PT-BA) informou que as emendas eram uma forma de proteger os sindicatos e as associações representativas dos trabalhadores rurais de todo o país.

O político baiano disse ainda que os textos apresentados por ele nem chegaram a ser apreciados e destacados em votação. “Nenhuma dessas emendas têm uma linha, uma vírgula com nada relacionado a essa questão das fraudes. Até porque em nenhum deles se fala do aspecto do convênio com descontos. E eu jamais faria algo parecido. E eu fui em defesa das instituições, dos sindicatos.”

Zé Neto explicou ainda que as proposições apresentadas para alterar o texto da MP foi uma atuação conjunta da bancada. O petista foi autor de 11 emendas com metadados da Contag.

Por sua vez, a deputada federal Jandira Feghali (PSOL-RJ) informou à reportagem que as emendas da Contag chegaram ao seu gabinete da mesma forma que “várias outras demandas chegam”. “Na busca direta com o gabinete para justificar o pleito e, caso entendamos justo, com propostas concretas via e-mail.” Ela foi autora de três textos redigidos pela Contag.

Jandira Feghali explicou ainda que a relação dela com a Contag é “a mesma relação institucional” que mantém “com todas as entidades que defendem os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras”. Por fim, negou que seja prática do seu gabinete que proposições sejam redigidas por escritórios de terceiros. “Não tenho esta prática. É prática do gabinete analisar todas as demandas recebidas e, caso estejam de acordo com o avanço da legislação e dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, atender os pleitos.”

Há também um parlamentar do PL, partido de Jair Bolsonaro: o deputado federal João Carlos Bacelar. Procurado, ele negou relação com a Contag e não soube explicar a origem da emenda. O político da Bahia apresentou duas emendas com metadados da entidade.

Após a publicação desta reportagem, a assessoria de imprensa do senador Jaques Wagner (PT-BA) informou que se opôs “firmemente à MP 871/2019, proposta do governo anterior que visava, entre outras coisas, implementar um ‘pente-fino’ nas concessões de benefícios do INSS, BPC e Bolsa Família”.

Na mesma linha que os demais políticos petistas, o senador afirmou ainda que as emendas apresentadas fizeram parte de uma ação da bancada do PT, em oposição a retirada de direitos trabalhistas e da população que reside em localidade de difícil acesso.

Por fim, o senador baiano destacou que “jamais atuou para o relaxamento no combate às fraudes. Muito pelo contrário, sua história sempre foi trilhada ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras”.

Os seguintes políticos não responderam ou não retornaram aos contatos da reportagem: Celso Maldaner (MDB-SC); Daniel Almeida (PCdo B-BA); Marcon (PT-RS); Otto Alencar Filho (PSD-BA); Patrus Ananias (PT-MG); Paulo Rocha (PT-PA); Rubens Pereira Júnior (PT-MA); Tereza Nelma (PSD-AL); e Valmir Assunção (PT-BA).

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