Em fevereiro de 2023 Rogério Matos Xavier promoveu uma festa no interior paulista, com direito a uma limosine na entrada do salão, na qual reuniu dezenas de convidados para celebrar a empresa Roger Cred Soluções, cujo lema é “realizando sonhos”.
Momentos da comemoração foram compartilhados no Instagram de Rogério (assista abaixo), entre os quais aparecem os sargentos da Polícia Militar, e irmãos de sangue, Alan de Rafael Soares (imagem em destaque).
Os registros foram usados pela Corregedoria da PM para integrar um conjunto de provas, com as quais o órgão fiscalizador relacionou o envolvimento de ao menos seis policiais militares de São José do Rio Preto com agiotas e traficantes de drogas.
A investigação resultou na prisão, em maio passado, dos irmãos Soares, do sargento Saint Clair Soares e — no último dia 17 — de Felício Pereira Alonso Soler, todos sob a suspeita de atuarem como assassinos de aluguel do crime organizado.
Arsenal e prisão
Pouco mais de nove meses depois da festa, na qual os dois sargentos irmãos estavam presentes, Rogério Matos Xavier foi preso por porte ilegal de arma de fogo — após a polícia encontrar um arsenal em um imóvel, na zona rural de São José do Rio Preto.
Foram apreendidas, na ocasião, seis armas, entre pistolas e revólveres, das quais uma submetralhadora e uma escopeta calibre 12. Entre os itens também havia um silenciador — acessório usado para abafar o som de disparos de armas de fogo — além de pouco mais de 200 munições.
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PMs são acusados de compor grupo de extermínio no interior paulista
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Assassino de aluguel caminha até carro, após executar alvo
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Grupo de matadores era contratado por agiotas, segundo investigação
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Dupla de asassinos desembarca de carro para executar vítima
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Até o momento, quatro PMs foram presos
Arte/Metrópoles
A prisão em flagrante e apreensão do arsenal deram início a uma investigação, na qual levantou-se a suspeita de Rogério estar envolvido em um esquema de empréstimos ilegais de dinheiro, pelos quais cobrava juros abusivos.
Com o aprofundamento das apurações, constatou-se o suposto envolvimento de PMs na execução de rivais e de devedores de agiotas e traficantes de drogas.
A defesa dos policiais e de Rogério, que está em liberdade, não havia sido encontrada até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
Outros suspeitos
O soldado Luís Guilherme Silva Pavani, do 17º BPM/I, e mais um policial, cujo nome não foi confirmado pela reportagem, também são alvo da investigação da Corregedoria da PM. Ambos estavam em liberdade até a publicação deste texto.
“Os policiais militares têm atuado em nome de determinados agiotas na execução da concorrência e na cobrança de dívidas não pagas por aqueles que contraem os empréstimos”, diz trecho de memorando da Corregedoria, obtido pelo Metrópoles.
O órgão fiscalizador constatou que, entre setembro e dezembro de 2023, ao menos quatro agiotas foram executados em São José do Rio Preto. Todos os homicídios, acrescentou, foram praticados com dinâmicas semelhantes. Dois dos assassinatos atribuídos ao bando teriam sido realizados pelo sargento Saint Clair, durante o horário de serviço do policial.
Ao todo, seis mortes são atribuídas às supostas ações de pistolagem dos policiais militares.
Os assassinatos
Em 14 de setembro de 2023, Diego Ermenegildo de Souza, de 40 anos, foi executado com ao menos cinco tiros de pistola, quando estava em sua borracharia no bairro Jardim das Oliveiras. Três suspeitos entraram no comércio, executaram a vítima e fugiram a pé.
Quase dois meses depois, em 9 de novembro, Kléber Lucio Souza de Oliveira foi fuzilado por dois assassinos. Os atiradores desembarcaram de um Volkswagen Gol, logo após a vítima estacionar seu Fusca em uma garagem. A Corregedoria pontuou que o sargento Saint Clair, a quem a morte é atribuída, estava de serviço na data e horário do homicídio.
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Uma semana após o segundo assassinato encomendado, Tiago José Rocha foi alvo de tiros, dados por dois ocupantes de uma moto. A vítima morreu exatos dois meses depois, período durante o qual permaneceu internada. Mais uma vez a Corregedoria destacou que o sargento Saint Clair trabalhava no horário e data do crime.
Três dias antes do Natal de 2023, Jefferson Cristiano de Souza foi perseguido a morto por dois pistoleiros, logo após a vítima desembarcar de seu carro, no estacionamento do condomínio onde morava.
A quinta vítima, ligada à prática de agiotagem, como consta no documento da Corregedoria, foi José Rodrigues de Souza Oliveira, o Cabelo, morto a tiros em 30 de dezembro de 2023, quando a vítima estava na garagem de casa.
Contratante
O trio de sargentos pistoleiros, como mostra a investigação interna da PM, teria sido contratado pela traficante e agiota Bianca Meirelles Nogueira.
Um sexto assassinato atribuído aos militares, em 3 de março de 2023, resultou de uma vingança da criminosa.
Ela teria contratado os PMs para que executassem Jefferson Caetano Barbosa, o Mandrak, suspeito de matar o parceiro da criminosa, o também traficante Milton Abelli Júnior, o Cabelo.
Minutos antes da execução de Mandrak, os sargentos Alan e Rafael Soares, que são irmãos, se encontraram pessoalmente. Rafael estava de serviço e, no encontro com o irmão, ficou incumbido de retirar viaturas do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) das proximidades do local do homicídio.
O valor pago aos policiais para a concretização dos crimes não é mencionado no relatório da Corregedoria. Todos os policiais foram encaminhados ao Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte da capital paulista. A defesa deles não havia sido localizada até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
SSP e PM
Em nota encaminhada ao Metrópoles a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que a PM, por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM), apura “possíveis irregularidades” atribuídas aos policiais de São José do Rio Preto.
A corporação, disse, não compactua com excessos ou desvios de conduta por parte de seus agentes.
A pasta acrescentou que, com o avanço das investigações, representou junto à Justiça Militar adoção de medidas cautelares, deferidas em 21 de maio.
Foram cumpridos quatro mandados de prisão preventiva, além de 18 de busca e apreensão na ocasião.