Tive meu primeiro contato com a cultura neozelandesa em 2017 quando, na condição de jornalista, elaborei junto à embaixada do país uma estratégia de comunicação para promover a Nova Zelândia no Brasil. Lembro-me da dificuldade em mapear potenciais crises — um exercício comum nesse tipo de trabalho. Era como se a Nova Zelândia fosse boa demais para ser verdade.
Anos depois, continuo achando exatamente isso: é um país bom demais para ser verdade. E quando o assunto é natureza, então, eles realmente dão aula.
Em 2019, tive o privilégio de trabalhar com uma delegação Māori que veio a Brasília para uma conferência em parceria com a Universidade de Brasília. Com o grupo Ngā Here Mātauranga, aprendi que a cultura Māori tem uma relação profunda, espiritual e ancestral com a natureza. Para eles, os seres humanos são parte de um ecossistema vivo e interconectado — e, por isso, têm uma responsabilidade sagrada de cuidar da terra.
O conceito de Whakapapa traduz exatamente essa visão: uma teia de conexões que une pessoas, montanhas, rios, florestas e animais. Vai além do respeito — é sobre pertencimento. Cada elemento da natureza carrega uma genealogia, uma história, e está ligado à linhagem dos próprios Māori.
Na cultura Māori, todos são considerados kaitiaki — guardiães da terra. Isso significa que devem zelar pela gestão justa dos recursos naturais, garantindo o sustento não apenas do presente, mas também das futuras gerações. Esse compromisso vai muito além da filosofia: está inscrito na prática, na legislação e no cotidiano das comunidades.
Um dos exemplos mais inspiradores é o caso do rio Whanganui, que em 2017 foi oficialmente reconhecido pelo governo da Nova Zelândia como uma entidade legal com direitos próprios — uma espécie de pessoa jurídica. A decisão reflete a cosmovisão Māori de que o rio é um ser vivo, com identidade espiritual, e assim deve ser protegido.
Em tempos de crise climática e de degradação ambiental, a milenar sabedoria dos povos indígenas, como os Māori, oferece caminhos valiosos. Não se trata apenas de proteger a natureza, mas de reconhecer que somos parte dela — e que cuidar do planeta é, no fundo, cuidar de nós mesmos.
Mariana Caminha é jornalista e especialista em estratégias de comunicação voltadas para crise climática e desenvolvimento sustentável.