Crises institucionais não constituem novidades no Brasil. Ao longo da História, várias vezes, o presidente da República se insurgiu contra o Congresso. Usualmente, estes gestos dramáticos não resultam em nada de proveitoso para o próprio chefe do governo, nem para o país. Exemplos recentes: Jânio Quadros no dia 25 de agosto de 1961, decidiu renunciar à Presidência por não conseguir governar com o Congresso que não aceitava suas diretrizes, temperadas por discurso algo de esquerda. Ele chegou a condecorar Ernesto Che Guevara, um dos líderes da revolução cubana. Renunciou na esperança de que o povo fosse resgatá-lo na base aérea de Cumbica, em São Paulo. O povo não apareceu e ele teve que embarcar em navio cargueiro com destino ao asilo na Inglaterra.
João Goulart, herdeiro político de Getúlio Vargas, era um fazendeiro rico, com muita sorte para os negócios e reduzido faro político. Chegou à Presidência da República depois da renúncia de Jânio, da adoção do fugaz parlamentarismo e com fama de comunista. Os militares não o toleravam. Ainda assim, ele cometeu o pecado capital de desafiar o Congresso Nacional. Fazer as reformas de base, que constituíam uma reforma agrária, na marra. Ou seja, por cima dos parlamentares. Não durou muito. Caiu e foi viver numa de suas fazendas no Uruguai. Só retornou ao Brasil dentro do caixão para seu enterro. Abriu o caminho para os governos militares.
A atual crise entre o governo Lula e o Congresso possui ingredientes específicos. O presidente experimenta os mais baixos índices de popularidade. Este dado coloca a possibilidade de sua reeleição como algo bem mais difícil do que supunham os líderes de seu partido. Sem Lula, o PT tende a perder substância, assim com o PSDB perdeu depois que os paulistas, liderados por Fernando Henrique Cardoso, deixaram a sigla por motivos diversos. Sem a presença do grande timoneiro, o partido perde protagonismo, não possui lideranças capazes de substituir o líder e enxerga o fim de uma era. Afinal de contas, os ideais trabalhistas começam a se tornar secundários, no mundo em que as pessoas fazem carreira criando seus próprios negócios. O discurso do presidente e de seu partido se afundaram em anacronismo insuperável. E a eleição é ano que vem.
Outro ingrediente importante da atual crise é a incapacidade de o atual governo selecionar objetivos e definir suas metas. O governo anuncia quase toda semana um novo projeto em que concede mais favores às classes menos favorecidos. À guisa de exemplo, vale lembrar que nos arquivos oficiais estão registrados nomes e endereços de mais de cem milhões de pessoas que recebem os mais diferentes benefícios. Não há possibilidade de atender a tudo e a todos. Por esta razão, o governo precisa sempre recorrer ao mesmo expediente: aumentar impostos. Do ponto de vista político, ele também não pode reduzir suas despesas, porque a tentativa de atender a todos é a base de sua política paternalista. Não há como economizar recursos, nesta visão. Reduzir gastos, significa perder votos. Neste momento, de baixa popularidade a ação de torna impossível.
A novidade do momento, é que a cúpula política do Brasil está fora do país. As autoridades brasileiras estão passeando pelo verão de Lisboa, no encontro promovido pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Todos se encontram na terra de Camões, e lá, entre almoços, jantares e goles de bom vinho, traçam caminhos para eventual negociação entre governo e Congresso. É a nova maneira brasileira de solucionar suas dificuldades. O presidente Lula foi a Buenos Aires para a reunião do Mercosul, que concluiu o acordo de livre comércio com o bloco formado por Suíça Islândia, Noruega e Liechtenstein e ouviu as rotineiras críticas do presidente Javier Millei contra o bloco sul-americano. Aproveitou a oportunidade e visitou Cristina Kirchner, que está em prisão domiciliar, condenada por desvio de dinheiro púbico.
As notícias de Lisboa indicam que conversas prosperam no sentido de algum tipo de negociação entre lideranças do governo e do Planalto. A falta de sintonia demonstra, mais uma vez, que o sistema de governo adotado no Brasil não é representativo. Ao contrário, é uma fábrica de crises. O partido do presidente é minoritário no Congresso. Tem perdido as últimas e mais importantes votações. Se o país fosse parlamentarista, o governo já teria sido substituído pelo grupo majoritário. No momento, a maioria está subjugada à minoria. Esta situação provoca vários desvios e equívocos. O mais conhecido deles foi o mensalão. Ou seja, o governo, para aprovar seus projetos, precisava comprar a lealdade dos parlamentares. Agora, com a facilidade de produzir dinheiro através das emendas, nem este mecanismo funciona mais. A persistir neste caminho, em pouco tempo, o país será governado pela crise política, escorada no enorme déficit fiscal.
André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)