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A segunda onda do Brics (por Marcos Magalhães)

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A segunda onda do Brics (por Marcos Magalhães)

Uma segunda onda do Brics chegou às praias do Rio de Janeiro no suave inverno carioca. Na primeira semana de julho ocorreu a 17ª Cúpula de Líderes, no Museu de Arte Moderna. No dia 16, foi a vez da sétima sessão do Fórum de Mídia e Think Tanks do grupo, dessa vez na Barra da Tijuca.

Para quem questiona a participação do Brasil no grupo que agora hospeda 11 membros permanentes e 10 países parceiros, os dois eventos podem soar como aposta muito alta em uma iniciativa que pretende reunir as vozes do agora chamado Sul Global.

Mas a análise desapaixonada dessas vozes revela que, mesmo longe do ideal, o Brics se revela como espaço de debate e intercâmbio entre países que já deveriam ter mais influência nas decisões de um mundo cada vez mais instável e imprevisível.

Do lado negativo, sobressaem as diferenças entre os membros do grupo, que começou com Brasil, Rússia, Índia e China e, em seguida, agregou a África do Sul. A recente expansão acrescentou países como Irã e Arábia Saudita, que pouco têm a ver, por exemplo, com a tradição liberal ocidental do Brasil.

A expansão do grupo levou ainda a decisões controversas, como a condenação do ataque americano ao Irã – após o início de seu conflito com Israel – e a crítica à Ucrânia por incursões militares contra a Rússia.

Tudo isso motivou uma chuva de críticas na imprensa brasileira à cúpula do Brics – que não contou com a presença do presidente da China, Xi Jinping – e à própria participação do Brasil no grupo.

De fato, a incorporação de alguns países ao Brics exige mais habilidade e esforço na busca de consensos – com resultados nem sempre muito desejáveis, aos olhos de observadores brasileiros.

Muitos desses observadores criticam o que veem como um viés antiocidental do Brics. Os mais críticos vão além e enxergam o grupo como um instrumento da China em sua disputa por hegemonia com os Estados Unidos.

As críticas estão aí. Agora podemos ouvir com atenção o que dizem os próprios integrantes do Brics, especialmente no momento em que o líder desse mundo ocidental – o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – lança uma ofensiva global contra a própria ordem liberal implantada após a Segunda Guerra Mundial.

Trump não apenas impõe altas tarifas às exportações de países de várias partes do mundo aos Estados Unidos. No caso do Brasil, algo mais parecido com sanções do que tarifas, pois vinculadas à suspensão de decisões judiciais independentes.

O presidente americano, com seu comportamento errático, impõe ao mundo um clima de grande instabilidade e imprevisibilidade. Em seis meses do novo mandato, colocou o resto do planeta em estado de alerta.

Pois nesse ambiente errático é bom prestar atenção às vozes desse conjunto que gosta de se chamar Sul Global. A começar pela China, promotora do evento da Barra da Tijuca por meio de sua agência de notícias, Xinhua, em cooperação com agências brasileiras.

O Brics – na visão do presidente da Associação de Diplomacia Pública da China, Wu Hailong – sempre busca soluções pacíficas para os conflitos e se torna, cada vez mais, uma “força indispensável para a paz e o progresso do mundo”.

Para ele, o uso de moedas locais no comércio entre os países do bloco, tão criticado pelos Estados Unidos, serve para proteger esses países de riscos financeiros.

E a cooperação dentro do bloco pode ajudar os países a navegarem por novos desafios, como a transição verde e a inteligência artificial. E sobre o temor ao peso da China?

“A China pode ser o maior país”, admite Hailong. “Mas não importa quem tem mais força, pois as decisões precisam do consenso de todos. Cada um dos países do Brics tem seu poder de veto”.

Representante da Indonésia, maior economia da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), o editor-chefe do The Jakarta Post, Mohamad Taufiqurrohman, lembrou a Conferência de Bandung, realizada em seu país há 70 anos.

“Ali foi a base do não alinhamento e, por um breve período, se acreditava na paz e na prosperidade”, recordou Taufiqurrohman. “Agora, quando Trump impõe tarifas ao mundo inteiro e ameaça a estabilidade, é bom o Sul Global tomar em mãos o seu futuro”.

Especialista em assuntos chineses, o professor brasileiro de Direito Evandro Menezes, da Universidade Federal Fluminense, citou a recente publicação, pelo governo chinês, de um Livro Branco sobre os desafios globais.

“Ali há um diagnóstico realista sobre os riscos de guerra e a observação de que a instabilidade, a incerteza e a imprevisibilidade agora são a norma”, relatou.

Também dedicado ao estudo da China, o professor Martin Jacques, senior fellow da Universidade de Tsinghua, disse que a ofensiva de Trump é uma tentativa de reassumir a “posição hegemônica” dos Estados Unidos.

Ele lembrou que as piores investidas de Trump são contra países em desenvolvimento. A seu ver, o Sul Global está a caminho de entender as suas possibilidades. E a “diversidade caleidoscópica” do Brics pode ser a sua força.

“O desafio é manter a coesão”, argumentou Jacques. “Pois Trump usa as tarifas para dividir”.

O tom, na Barra da Tijuca, foi de união em tempos de dificuldades. O Brics pode ser, como argumentam seus críticos, um coral de vozes pouco afinadas. Mas desafinado também está o mundo. E o momento pede mais conversas e menos ameaças.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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