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    A terra azul, o regabofe e a contribuição brasileira para o apocalipse

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    Na foto à esquerda, o avião está saindo de Manaus rumo a Brasília, perto do encontro das águas do rio Negro com o Solimões. Hora e meia depois, o que se vê da janela do avião (foto à direita) é uma vastidão de feridas na terra, entre o sul do Pará e o norte do Mato Grosso e o do Tocantins, na transição da Amazônia para o Cerrado. É o avanço descomunal do agronegócio como parte de um projeto global insano que está levando a Terra ao ponto de não retorno, quando nada mais se poderá fazer para a sobrevivência da vida humana no planeta azul.

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    A motorista do app que me levou ao aeroporto de Manaus me contava que já foi personal trainer de alguns milionários da Amazônia, atendimento domiciliar. Com a gentileza e vivacidade própria dos manauras, ela me contou que uma de suas clientes reclamava, desconsolada, que estava com pouca roupa. E, queixosa, mostrou o closet para a personal.

    “Quando fui ver, ela tinha umas 40 saias, uns 50 vestidos e sem brincadeira, uns 60 jeans! Sapato, sandália e tênis? Santo pai! Tinha caixa em todo lugar. E bolsa? Uma delas custou quase a metade do meu carro. Fico pensando por que essas pessoas precisam de tanta coisa?”.

    A passageira aqui ouvia, entre indignada e embevecida. É tão raro encontrar alguém que não se deslumbra com a riqueza. Então me lembrei de que, na noite anterior, havia visto Bethânia, a irmã do Caetano, contar num programa de tevê, o que o pai dela ensinava: “A pessoa tem de ter dinheiro para não lhe faltar. E nem um vintém a mais para não desvirtuar”. Desconcertante sabedoria de José Teles Veloso, funcionário público dos Correios de Santo Amaro da Purificação/BA em meados do século XX.

    Enquanto o avião cruzava a floresta amazônica e o cerrado, o terceiro homem mais rico do mundo ocupava Veneza, sob insistentes protestos, para o casório ao qual compareceram as celebridades de praxe, gente que adora ostentar uma riqueza indecente em um mundo onde 1 bilhão de pessoas vive em condições de extrema pobreza. Houve quem tenha feito a conta: a fortuna dos convivas na boca-livre do dono da Amazon ultrapassa os 400 bilhões de dólares. Isso porque nem o cara da Tesla nem o do Facebook deram as caras no mega-regabofe.

    Dias atrás, a youtuber Rita Von Hunty (3 milhões de seguidores) fez uma conta que demonstra o tamanho monstruoso da riqueza dos ultra-hiperbilionários do mundo. Ela somou a fortuna do Musk, do Bezos e do Zuckerberg. Deu 1 trilhão e 240 bilhões de dólares. Se cada um deles gastasse 1 milhão de dólares por dia, seriam necessárias 122 gerações para que eles conseguissem torrar essa dinheirama alucinada.

    Ou seja, três indivíduos têm nos bolsos quase a metade do PIB da oitava economia do mundo, o Brasil, com seus 211 milhões de habitantes. De disparate em disparate, com o coração cada vez mais oprimido, os nervos cada vez mais em frangalhos, as epidemias de distúrbios mentais, a queda vertiginosa do mundo rumo ao apocalipse, o Congresso Nacional brasileiro faz a sua parte, segue protegendo os Muskes, Bezos e Zuckas brasileiros, barrando o aumento do imposto de operações financeiras e, de quebra, aumentando a conta de luz dos pobres.

    Quando o avião aterrissou em Brasília, a saudade era muito maior do que a saudade das águas amazônicas, era uma saudade futura. Haverá?

     

    * Este texto representa as opiniões e ideias do autor.