Tolerantes em excesso com Bolsonaro ao longo da sua carreira política, os três Poderes da República deveriam, agora, se ajoelhar, bater no peito três vezes e confessar em latim: “Mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa.” Criaram um monstro.
O general Golbery do Couto e Silva, um dos condestáveis da ditadura militar de 64, cunhou a frase “Criei um monstro”, ao referir-se ao Serviço Nacional de Informações, órgão de espionagem do antigo regime. Morreu desgostoso com sua obra.
Não espere de Bolsonaro sinal de arrependimento. Ele é escravo do personagem que criou. À época da pandemia, Bolsonaro incentivava auxiliares a se vacinarem enquanto dizia que não poderia fazer o mesmo para não contrariar seus seguidores.
Michelle vacinou-se. Flávio, Carlos e Eduardo, os três filhos Zero, vacinaram-se. Bolsonaro encomendou um falso certificado de vacina para ele e a filha Laura. Temia ser impedido de circular livremente nos Estados Unidos por falta de um certificado.
Durante 30 anos como deputado federal, o Congresso tratou-o como se fosse um parlamentar qualquer e não um extremista de direita que defendia a volta da ditadura e exaltava os torturadores, como fez na hora de votar pelo impeachment de Dilma.
Jamais foi punido, censurado ou apenas advertido por seus pares. Nem quando agressivamente bateu boca com a deputada Maria do Rosário (PT-RS) e disse que ela era feia e por isso não merecia ser estuprada. A Justiça arquivou o processo aberto contra ele.
Mal pôs os pés no Palácio do Planalto, Bolsonaro passou a atacar o Supremo Tribunal Federal, a minar a confiança dos brasileiros nas urnas eletrônicas e a plantar a semente do golpe. A Justiça demorou a reagir. Ao fazê-lo, a semente florescera.
A semente não morreu só porque o golpe foi abortado. Ela continua a ser regada por Bolsonaro, em parceria com o presidente mais louco da história dos EUA. E a dar frutos, como o tarifaço de Trump, que ameaça desestabilizar o governo de Lula.
Batizado por um pastor deletério nas águas do rio Jordão, o Bolsonaro quase preso, algemado a uma tornozeleira eletrônica, diz acreditar em milagres. Atribui a um milagre ter sobrevivido à facada. E sonha com o milagre da anistia ou do indulto.
O melhor seria já ir se acostumando às restrições que experimenta. É só um ensaio do que virá. Vida longa a Bolsonaro.