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    Bet: mulher que diz ter ganhado R$ 1,8 bi se “enganou” em outro jogo

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    A enfermeira Maria do Socorro Sombra, que alega ter ganhado R$ 1,8 bilhão em jogo on-line, disse à bet Lottoland que já havia sido convencida de ter se enganado em uma outra aposta, mostram e-mails obtidos pela coluna.

    A mulher enviou mensagem à bet em 4 de outubro de 2020, às 18h03, mesmo dia da divulgação do resultado do jogo da Powerball, loteria dos Estados Unidos, que diz ter ganhado.

    Nesse primeiro contato, ela afirma que se enganou em uma outra ocasião, mas que agora a situação era diferente. “Da outra vez que ganhei, me convenceram que estava enganada, mas hoje não tem engano, os números que joguei, deram todos [sic]”, escreveu. Confira:

    Trecho de e-mail de Maria do Socorro Sombra para bet LottolandTrecho de e-mail de Maria do Socorro Sombra para bet Lottoland

    Maria do Socorro alega que ganhou o sorteio, mas que nunca teria conseguido reclamar o prêmio pois a Lottoland supostamente a bloqueou. A bet nega, porém, que a enfermeira tenha vencido. Em nota à coluna, a empresa foi taxativa: “A Eu Lotto forneceu toda a documentação relevante – incluindo, mas não se limitando ao comprovante original da aposta da jogadora – a qual demonstra claramente que os números selecionados por ela não foram sorteados no prêmio principal da Powerball”, assegurou.

    Existe um empecilho para comprovar a vitória: a apostadora diz não ter o comprovante do jogo na bet. Foi então que Maria do Socorro acionou a Justiça para solicitar esse documento após ter sido supostamente bloqueada pela casa de apostas e não conseguir acessar a própria conta.

    A única “prova” que ela apresenta para sustentar a tese de que venceu o prêmio é uma foto da página de uma agenda com os números vencedores anotados.

    Imagem da agenda de Maria do Socorro SombraImagem da agenda de Maria do Socorro Sombra

    Bet diz ter enviado comprovantes de jogo

    Quinze horas depois do primeiro e-mail, porém, a Lottoland enviou a ela os números das duas apostas feitas registradas por ela no jogo Powerball. Ela havia acertado, segundo esses dados, somente um dos números sorteados, em uma das sequências registradas. Ou seja, não havia ganhado nada.

    No dia 10 de outubro, Maria do Socorro tirou prints da tela de seu celular e enviou para a Lottoland.

    A imagem, da tela do perfil de Maria do Socorro na Lottoland, mostra os números sorteados e, abaixo, os dois jogos que ela fez, com apenas um número certo – exatamente os números informados pela Lottoland em resposta à sua primeira reclamação. Os advogados, no entanto, escrevem, equivocadamente, que a indicação dos números sorteados era o jogo feito por ela.

    Print usado por advogados de Maria do SocorroPrint usado por advogados de Maria do Socorro

    Ainda nas trocas de mensagens entre outubro e dezembro de 2020, incluindo problemas com erros de senha, em 7 de dezembro ela envia mais um e-mail à Lottoland, em tom amigável, dizendo ter conseguido resolver o problema da senha de acesso, relata já ter feito “um novo jogo” e afirma: “Ainda vou ganhar na lottoland, até sonhei. Acredite!” – se comunicando, portanto, como se nunca tivesse ganhado, o que contradiz o discurso de certeza anterior.

    A Lottoland ainda apresentou, após tomar conhecimento do processo judicial, os dados completos das apostas feitas, com envio de imagens de seu sistema interno de controle das apostas feitas. Esses dados confirmam os detalhes das apostas feitas por Maria do Socorro.

    Sistema interno de controle da Lottoland mostra as apostas feitas por Maria do Socorro SombraSistema interno de controle da Lottoland mostra as apostas feitas por Maria do Socorro Sombra

    Sobre o valor do prêmio, seus advogados afirmam que o prêmio é de R$ 1,8 bilhão. Mas esse valor também é contestado pela Lottoland. De fato, o resultado do sorteio que Maria do Socorro reclama tinha um prêmio máximo de R$ 244 milhões, de acordo com os sites da bet (confira aqui) e da própria Powerball (veja aqui). O valor de R$ 1,8 bilhão – sete vezes maior – é indicado pelos advogados posteriormente, reajustando o valor da causa.

    Justiça decide que caso deve ser resolvido no Brasil

    A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou em junho deste ano que o caso da enfermeira Maria do Socorro Sombra, que alega ter ganhado R$ 1,8 bilhão ao apostar na bet Lottoland, deve ser julgado no Brasil, e não em Gibraltar. A decisão, tomada por unanimidade, mantém o que já havia sido definido em instâncias anteriores. Não se discutiu, contudo, se houve vitória perante a Powerball.

    No entendimento da Lottoland, o foro de Gibraltar seria o correto para decidir, conforme as regras das apostas, além do fato de que o prêmio seria pago pelo território. Mas perdeu: a Justiça considerou que o site é voltado ao público do Brasil e que, como o jogo ocorreu em território nacional, deveria ser pago no país.

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    A 2ª Vara Cível da Comarca de Limoeiro do Norte (CE) e o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) já haviam concedido decisões favoráveis à enfermeira ao se definirem aptos para o julgamento. Os magistrados argumentaram que a mudança de local dificultaria o acesso dela à Justiça, sendo uma barreira para reivindicar o possível direito sobre o prêmio bilionário. Também avaliaram que a cláusula sobre a escolha do foro da bet seria abusiva.

    Captura de tela apresentada na ação judicial pela bet LottolandCaptura de tela apresentada na ação judicial pela bet Lottoland

    Insatisfeita, a bet recorreu até o processo avançar à 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve integralmente as determinações anteriores em votação unânime em 17 de junho. Cabe recurso.

    No voto, o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, sustentou que a alteração de foro dificultaria o acesso da moradora de Quixeré (CE) à Justiça, o que levou à negativa do recurso. A coluna obteve a íntegra do documento e do processo.

    “A exigência de que a autora litigue em Gibraltar imporia ônus manifestamente desproporcional, haja vista as significativas barreiras linguísticas, as substanciais diferenças procedimentais, os custos exorbitantes e a considerável distância geográfica. Tal imposição configuraria verdadeira denegação de seu direito fundamental de acesso à Justiça, comprometendo a efetividade do sistema protetivo do consumidor”, escreveu.

    Foi o juízo de 1º grau que definiu o valor da causa em R$ 1,8 bilhão, contrariado pela Lottoland, mas mantido na instância seguinte.