O Brasil irá registrar, a partir de 2025, uma queda prolongada na incidência de novos casos de HIV. A avaliação é do médico sanitarista Draurio Barreira, diretor do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde. “Os dados parciais já mostram uma queda e acredito que ela será robusta”, afirma ele em entrevista exclusiva ao Metrópoles.
Barreira aponta que a expansão do uso da profilaxia pré-exposição (PrEP) nos últimos meses no Brasil, tendo atingido mais de 185 mil usuários, é um fator central para esta redução.
“O Brasil atingiu em janeiro deste ano, 3,1 pessoas tomando PrEP para cada pessoa nova detectada com HIV. Quando se chega a essa razão de três, os estudos mostram que começamos a observar uma queda duradoura ao longo do tempo. Os dados que temos agora em julho já indicam que veremos esta resposta nos números”, antecipa (veja o vídeo completo da entrevista abaixo).
O que é o HIV e sua diferença para a aids?
- O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um microrganismo que ataca o sistema imunológico. Quando não é tratado, ele pode evoluir para a aids (síndrome da imunodeficiência adquirida), que representa o estágio mais avançado da infecção.
- Embora não exista a cura para a aids, o tratamento antirretroviral pode controlar a infecção, permitindo que pessoas vivendo com HIV tenham uma vida longa e saudável.
- O tratamento correto pode fazer com que o paciente atinja a carga viral indetectável para o HIV, ou seja, tão baixa que não pode ser detectada por testes padrão. Nesse caso, a pessoa também não transmite o vírus.
- O HIV é transmitido principalmente através de fluidos corporais específicos, durante o sexo sem proteção, compartilhamento de seringas e de mãe para filho durante o parto, quando não for bem assistido.
- Beijos, suor, ou qualquer outra forma de contato íntimo, incluindo o sexo feito com preservativo, não transmite o HIV.
- O SUS disponibiliza testes rápidos para o HIV e também o tratamento preventivo com a profilaxia pré-exposição (PrEP), com o uso de um remédio diário. Procure um serviço de saúde e informe-se para saber se você tem indicação para PrEP.
O futuro da PrEP injetável no SUS
A PrEP usada atualmente no Brasil é oral e deve ser tomada diariamente. Novas drogas têm surgido como opção a ela, como o lenacapavir, uma injeção semestral que demonstrou oferecer o mesmo efeito de prevenção dos comprimidos diários.
“Estas drogas devem revolucionar a prevenção do HIV. Eu sou relutante em acreditar em uma solução única, acho que o melhor é termos várias frentes para lidar com o problema, mas sabemos da importância do medicamento e queremos oferecer esta alternativa. Estamos negociando diretamente com a farmacêutica. Até o momento, não sabemos com que preço ele deve ser oferecido“, conta o médico.
Barreira ressalta que o lenacapavir ainda precisa de aprovações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) para, eventualmente, ser distribuído pela rede pública.
“Faltam etapas para o registro da droga aqui no Brasil, então não sabemos quando teremos todas as aprovações, se os conselhos recomendarão o uso no SUS. Por isso não podemos ainda pensar em prazos para o uso”, explica o diretor.
Segundo ele, o objetivo do governo é oferecer um leque de opções para que cada pessoa escolha a tecnologia que melhor se adapte à sua realidade e contexto social.
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Sífilis preocupa, mas resposta melhora
Ainda entre as novidades para enfrentar as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), Barreira comentou o avanço de estratégias para combater a sífilis, um problema crescente no Brasil e em vários países do mundo.
Nos últimos anos, a doença causada pela bactéria Treponema pallidum teve aumento de diagnósticos em cerca de 30%. Parte deste problema, segundo o diretor, é de fato a maior circulação do patógeno, mas para ele, o número de casos inflado também é fruto da maior testagem.
“Ano passado nós adquirimos 6 milhões de testes ‘dois em um’, que detectam de forma rápida tanto HIV como sífilis. Ele passou a ser usado como padrão para as gestantes, o que pode justificar o aumento de diagnósticos entre elas e também será adotado em breve como teste rápido padrão nacional. Então é possível que tenhamos uma detecção aumentada nos próximos meses, mas a gente sabe bem como tratar sífilis. Quanto mais detectarmos, mais trataremos”, esclarece.
Uma das estratégias para diminuir os número da sífilis que tem sido adotada paulatinamente no mundo é o uso da doxiPEP, uma espécie de pílula do dia seguinte de antibióticos usada de forma off-label para a prevenção da clamídia, sífilis e gonorreia após as relações sexuais desprotegidas. O método tem sido adotado inclusive no Brasil.
“Me parece muito provável que nós, do Ministério da Saúde, incorporemos a doxiPEP em um futuro próximo. Os estudos mais recentes mostram que é uma estratégia eficaz, mas o que é fundamental é respeitar a decisão dos conselheiros e do comitê técnico, que ainda não concluíram seus pareceres, mas me parece que eles serão favoráveis”, indica o médico.
Além da avaliação das evidências científicas, porém, Barreira destaca que é preciso levar em consideração a viabilidade financeira da adoção desta estratégia na saúde pública.
Ampliação do acesso e distribuição
Segundo Barreira, o foco do Ministério da Saúde tem sido em apostar em estratégias para alcançar populações vulneráveis que ainda têm pouco acesso à prevenção. Pessoas trans, profissionais do sexo, em situação de rua ou privadas de liberdade estão entre as prioridades.
Para ampliar o diagnóstico, o governo está investindo em unidades móveis para fazer exames em locais de risco, e na distribuição gratuita de autotestes e medicamentos por meio dos Correios. Máquinas de distribuição automática de PrEP e preservativos, como as testadas em São Paulo, também devem ser adotadas nacionalmente.
Essas medidas têm como objetivo facilitar o acesso e reduzir barreiras estruturais, econômicas e sociais que dificultam a prevenção em comunidades marginalizadas.
Para Barreira, a ampliação do acesso é urgente. “Uma pessoa em situação de rua não consegue tomar um remédio todos os dias. Mas pode conseguir ir duas vezes por ano a um posto de saúde para tomar uma injeção”, afirmou.
Em entrevista ao Metrópoles, diretor do MS destacou as ações da pasta para fomentar o diagnóstico e a prevenção de ISTs
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O médico falou sobre as chances de incorporar o lenacapavir como uma prevenção ao HIV no Brasil
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Para Draurio, a chance de uma incorporação da doxiPEP contra síflis em um futuro próximo é alta
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Prevenção e diagnóstico são prioridade
A atual gestão do Ministério da Saúde considera que as prioridades no combate ao HIV devem ser o diagnóstico precoce e a prevenção combinada. O tratamento continua garantido por lei e segue como direito de todas as pessoas.
“É muito melhor fechar a torneira do que lidar com os efeitos da epidemia”, afirmou. Para o sanitarista, políticas de testagem e novas tecnologias são o caminho para reduzir casos e custos futuros.
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