A Controladoria-Geral da União (CGU) apura se entidades usaram documentação falsa, entre elas áudios editados, com o objetivo de comprovar a autorização de aposentados e pensionistas nos processos de ressarcimento pelos descontos indevidos da farra do INSS revelada pelo Metrópoles.
Os documentos supostamente falsos têm sido apresentados por entidades nos processos de ressarcimento por meio do aplicativo Meu INSS no que seria a “fraude dentro da fraude”. Além de áudios, que nem podem ser utilizados como prova, foram mapeados casos de uso de assinatura falsa em autorizações de desconto.
Em dois casos apurados pela coluna, por exemplo, o aposentado negou ter dado autorização para o desconto e, em seguida, a entidade apresentou áudios para comprovar a liberação. Como tréplica, o aposentado apontou que os documentos não eram válidos, o que foi acatado pelo INSS.
Para a técnicos da CGU e do INSS, a normativa sequer permite o uso dos áudios, mesmo que verdadeiros, como prova da autorização.
Um caso cujo áudio foi acessado pela coluna, o aposentado aparece falando apenas sim, após perguntas que parecem terem sido gravadas em um outro contextos e editadas com a inclusão da resposta “Sim”.
De outro caso, a coluna teve acesso, além do áudio, a toda a documentação interna do Meu INSS de um aposentado que teve descontos realizados pela Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos (Ambec).
Os registros mostram que a autorização do aposentado foi formalizada pela empresa Balcão das Oportunidades Serviços Administrativos Ltda.
A Balcão das Oportunidades recebeu cerca de R$ 9 milhões da Ambec, de acordo com informações da operação Sem Desconto, da Polícia Federal (PF).
No áudio acessado pela coluna, o aposentado não revela o nome completo, depois utilizado no cadastro. Em seguida, confirma os dados e autoriza o desconto em uma gravação com indícios de cortes como os citados pelo funcionário da Balcão da Oportunidades em entrevista ao Metrópoles.
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Um documento apresentado pela entidade também registra um endereço sem qualquer relação com o aposentado.
Em maio deste ano, o Metrópoles entrevistou um ex-funcionário da Balcão de Oportunidades que disse que a empresa era contratada para fabricar áudios fraudulentos utilizados como prova de que os aposentados se filiaram às associações envolvidas na farra do INSS.
O ex-funcionário detalhou como se dava as ligações para captar as falas dos aposentados que depois eram editadas e colocadas no contexto da autorização do desconto pelas entidades.
Como funcionava o esquema
- O ex-funcionário, que trabalhou na Balcão das Oportunidades e falou sob condição de anonimato, disse que a empresa pagava por acesso a dados de aposentados e orientava funcionários a fazerem uma ligação inicial, na qual ofereciam vantagens ou até mesmo o cancelamento de descontos sobre suas aposentadorias.
- Deste áudio, editores da empresa pinçavam somente a voz do cliente confirmando seus dados pessoais e dizendo palavras como “sim”. Na sequência, montavam outra versão, com diálogos em que o atendente oferecia a filiação às associações da farra dos descontos e o aposentado aceitava.
- A empresa é citada nas quebras de sigilo bancário da Polícia Federal (PF), na Operação Sem Desconto, que investiga o esquema bilionário de fraudes sobre aposentados do INSS, revelado pelo Metrópoles.
- O Balcão de Oportunidades recebeu R$ 9 milhões somente da Ambec, uma das principais entidades da farra dos descontos, e tem contratos milionários com a Cebap, segundo documentos obtidos pelo Metrópoles.
As associações são ligadas ao empresário Maurício Camisotti, suspeito de faturar mais de R$ 40 milhões com os descontos e de pagar propinas a diretores do INSS.
DEFESAS
A coluna procurou o INSS na manhã da quarta-feira (23/7) e questionou sobre a apuração da CGU relacionadas a suspeita de uso de documentação falsa pelas entidades. No final da tarde do mesmo dia, o INSS enviou uma nota sem responder quais medidas haviam sido tomadas, quais entidades sob suspeita e quantos casos estão sob suspeita.
Já nesta quinta-feira (24/7), após os questionamento da coluna, o presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, confirmou em entrevista a rádio CBN que entidades tentaram fraudar o ressarcimento com o uso de assinaturas falsas e áudio. Ele classificou o episódio como “fraude da fraude”.
Em nota enviada à coluna, o INSS afirma que “a comprovação por parte das entidades exige a apresentação conjunta de três itens — documento de identidade com foto, termo de filiação e termo de autorização de desconto —, não havendo previsão para o uso de gravações de áudio como comprovante.”
“Não confirmando as informações disponibilizadas pela entidade, o processo é encaminhado para auditoria interna, e a entidade associativa é notificada para que realize a devolução dos valores. Se a associação não fizer a devolução, o beneficiário será orientado sobre as medidas judiciais cabíveis”, diz a nota.