“Foram 25 minutos de pânico. Pedrinho e seus amigos foram baleados em uma espécie de paredão de fuzilamento soviético. Todos inocentes. Sem problemas na Justiça.” É assim que, carregado de emoção, um amigo de Pedro Alcântara relembra os detalhes da madrugada sangrenta de 11 para 12 de novembro de 2015, quando ocorreu uma série de assassinatos na região da Grande Messejana, na cidade de Fortaleza (CE).
Conhecida como “Chacina de Curió”, a madrugada de terror deixou 11 pessoas mortas, além de sete feridas. Os crimes ocorreram em um período de tempo inferior a seis horas. A matança foi considerada a maior chacina da história de Fortaleza (CE).
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“Pedrinho”, como é chamado carinhosamente pelo amigo, que decidiu falar à coluna, foi um dos assassinados. Ele tinha apenas 18 anos quando foi morto. Apesar da revolta e ânsia por justiça, o amigo de Pedrinho preferiu não se identificar — ele afirma que a comunidade ainda teme pelas próprias vidas.
Madrugada de horror
“Naquela noite, por volta das 22h30, eu estava navegando pelas redes sociais quando me deparei com a notícia de que haviam acabado de matar um policial próximo ao bairro, logo tive um breve pressentimento de algo muito ruim aconteceria”, lembrou o amigo de Pedro, o qual chamaremos ficticiamente de João.
Na mesma hora em que o pressentimento tomou conta de seu corpo, João enviou uma mensagem de alerta aos alunos da banda de percussão na qual era professor voluntário com Pedrinho — que ocupava o cargo para substituir seu irmão, que havia falecido tragicamente em decorrência de um câncer dois meses antes, em 5 de setembro daquele ano.
“Pedi àqueles que estivessem nas ruas que voltassem às suas casas. Eu sabia que o Pedrinho gostava muito de estar noite afora pelo bairro, principalmente andando de skate na praça, ou jogando videogame com um grupo que eles tinham, e era exatamente na segunda programação que ele estava naquela noite”, detalhou.
O jovem estava jogando, acompanhado de amigos, na rua Lucimar de Oliveira, a pouco mais de 100 metros da casa onde ele residia com sua mãe, seu pai e sua irmã.
Por volta das 23h45, João escutou uma rajada forte. “Para quem mora na periferia, era fácil saber que aquilo não era simplesmente fogos de artifício. Após a primeira rajada, veio mais e mais. Em seguida, ouvi barulhos de carros passando em alta velocidade. Depois, mais tiros. Foram 25 minutos exatos de pânico”, contou.
Após ouvir os barulhos, João pegou o celular e foi direto ao grupo de mensagens. Perguntou se todos os alunos estavam bem, mas Pedro nunca respondeu.
O desespero tomou conta de João. Preocupado com o amigo, quis sair de casa, ir às ruas buscar o menino, mas foi impedido por familiares.
“Fiquei na aflição. O tempo passou, eu não consegui dormir. Por volta de 1h30 alguém do grupo mandou um vídeo que mostrava os corpos sendo retirados de dentro de um carro na emergência do hospital da região. Um dos corpos era o do Pedrinho. Sem vida.”
João não conseguia acreditar. Segundo ele, todos jogavam videogame tranquilamente quando foram fuzilados. “Do grupo de cinco pessoas que estavam na Lucimar de Oliveira, morreram quatro, e um ficou gravemente ferido. Todos inocentes. Nenhum tinha problema na Justiça, não usavam drogas, eram apenas jovens tentando viver”, lamentou.
Atualmente, João ainda lida com a angústia de ter perdido o amigo. Ele se compadece com a dor de Catarina Alcântara, que teve de lidar com a perda de dois filhos dentro de 60 dias.
Foi João quem procurou a coluna. Ele implora para que a justiça avance. Quer que o Brasil saiba a história de Pedrinho e das demais vítimas. Não quer que a matança seja esquecida.
“Até hoje as famílias lutam por Justiça. Claramente foram agentes do estado que tirou a vida dessas pessoas; a vida desse menino acabou de forma trágica. Quero que ao menos a real justiça seja feita pela memória do Pedro”, completou.
Além de Pedrinho, outros 10 homens perderam a vida. Nove dos 11 mortos tinham entre 16 e 19 anos. Três deles tinham passagem pela polícia. No entanto, os delitos eram considerados leves: ameaça, crime de trânsito e pensão alimentícia.
Vingança
Durante as investigações, a polícia estabeleceu três linhas para averiguar a série de crimes.
A primeira seria uma possível retaliação pela morte do policial militar Valterberg Chaves Serpa, de 32 anos, morto na noite de 11 de novembro, horas antes do início da chacina, quando reagiu a um assalto ao tentar defender a esposa, na Grande Messejana.
Além dessa possibilidade, haveria também mais duas represálias: uma relacionada à morte de um traficante da região, e outra interliga à prisão de um outro traficante da Grande Messejana.
À espera de Justiça
Enquanto as famílias — sobretudo as mães das vítimas — permanecem escravas da dor do luto, agonizando com a demora da aplicação das punições, o processo continua a transcorrer lentamente na Justiça.
A Justiça do Ceará deu início à série de julgamentos no âmbito do caso no dia 20 de junho de 2023. O processo conta com mais de 13 mil páginas, tendo culminado no maior julgamento nos 150 anos da Justiça do Ceará.
Foram denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) 45 policiais militares, mas um não tornou-se réu na Justiça.
Ao decorrer da tramitação, 10 foram impronunciados e 34 réus continuaram respondendo pelos crimes, sendo divididos, posteriormente, em três processos.
Atualmente, 30 acusados permanecem respondendo pelos crimes na 1ª vara do júri de Fortaleza, dos quais 20 já foram julgados.
Em pouco mais de um mês, sete policiais militares acusados de envolvimento na matança serão submetidos a júri popular. No dia 25 de agosto, eles se sentarão nos bancos dos réus no Fórum Clóvis Beviláqua.
Após o julgamento dos militares, o número de acusados julgados no âmbito do caso subirá para 27. Até o momento, foram realizadas três sessões de julgamento.
O encerramento de todos os julgamentos está previsto para 22 de setembro, quando os três réus restantes devem ser julgados, também no Fórum Clóvis Beviláqua.
Quatro dos réus já julgados foram condenados a 275 anos e 11 meses de prisão cada — três aguardam recurso em instâncias superiores e um faleceu. Um quinto foi condenado a 210 anos e noves meses e o sexto pegou uma pena de 13 anos cinco meses, pelo cometimento de duas torturas.