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Com que roupa vai a direita? (por Hubert Alquéres)

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Com que roupa vai a direita? (por Hubert Alquéres)

Desde que foi tornado inelegível, Jair Bolsonaro passou a vagar como uma espécie de “rei nu” da política brasileira. Mantém ainda poder simbólico sobre parte do eleitorado — especialmente nas redes sociais — mas já não comanda, de fato, nenhuma articulação relevante nem define os rumos do campo conservador. O bolsonarismo sobrevive como cultura política — ressentida, antissistema, agressiva —, mas começa a se tornar, cada vez mais, uma cultura sem centro.

Ainda é cedo para decretar a morte do bolsonarismo, mas há sinais claros de que a direita já não está tão disposta a vestir a velha roupa costurada por Bolsonaro. A operação de resgate de sua influência, baseada em alianças internacionais questionáveis e no discurso conspiratório, vem produzindo mais ruído do que resultados. A recepção das articulações de Eduardo Bolsonaro por Donald Trump e a explícita tentativa de interferência do presidente norte-americano em favor da direita brasileira não foram apenas diplomática e institucionalmente impróprias: foram, acima de tudo, contraproducentes. Reforçaram a impressão de um grupo que, sem projeto para o país, aposta no tumulto externo como estratégia de sobrevivência.

Erro do clã Bolsonaro? Sem dúvida. Mas erro grave também de Trump, um líder estrangeiro tentando influenciar a condução da política em uma democracia soberana. Se Lula já havia cometido seus próprios erros ao se alinhar cegamente a ditaduras, o episódio mostra que os extremos se encontram naquilo que têm de mais deletério: o desprezo pelas instituições e o gosto por ameaças. No fundo, o que se vê é a corrosão da institucionalidade promovida por líderes que, embora em lados opostos, tratam as instituições como instrumentos de seus projetos pessoais de poder — e não como fundamentos da vida democrática.

Nesse contexto, nomes como Romeu Zema, Ronaldo Caiado e Rodrigo Pacheco já sinalizam um possível reposicionamento no tabuleiro da direita. O governador paulista Tarcísio de Freitas — que demonstrou capacidade de leitura do cenário ao recalibrar seu discurso após o tarifaço de Trump – se somou ao esforço de diálogo com o Congresso e os governadores; ao mesmo tempo, ele evita romper com a base bolsonarista — da qual depende eleitoralmente. Sua aposta parece ser a de construir uma imagem de gestor técnico e pragmático, capaz de falar tanto à direita ideológica quanto ao centro político. Alimenta a hipótese de que pode emergir como um ponto de inflexão no processo de transição da direita brasileira. Nesse movimento, é preciso também considerar a atuação estratégica de Gilberto Kassab, que articula nos bastidores a consolidação de uma centro direita institucional e moderada, com capacidade de interlocução ampla e foco na governabilidade.

A nota conjunta dos presidentes da Câmara e do Senado, ao defenderem a diplomacia e o equilíbrio institucional, pode ser lida também como um gesto de moderação da classe política diante do acirramento retórico — um chamado ao bom senso dirigido tanto à direita radicalizada quanto à esquerda populista.

O fato é que a direita começa a se mover. E, aos poucos, percebe que não precisa mais pedir a bênção de Bolsonaro para existir.

A questão de fundo é: há espaço para uma direita pós-bolsonarista no Brasil? Uma direita democrática, com projeto liberal, enraizada no jogo institucional, com vocação para disputar o centro e dialogar com o empresariado, com o agronegócio, com os evangélicos e com as classes médias urbanas? Se a resposta for sim, essa transição exigirá mais do que silêncios estratégicos ou gestos ambíguos. Exigirá que setores da direita assumam uma reflexão crítica sobre os impasses que marcaram sua trajetória recente, sinalizem um afastamento consistente de posturas autoritárias e se comprometam com a afirmação de valores programáticos compatíveis com a democracia liberal. Isso inclui a construção de uma alternativa ao lulismo que una competitividade eleitoral, renovação de lideranças e capacidade de formulação, sem recaídas autoritárias nem aventuras populistas.

Talvez este seja o maior desafio da política brasileira hoje. Porque, enquanto a direita não encontrar uma nova roupa, o risco é o Brasil seguir preso à polarização entre um lulismo cansado e um bolsonarismo tóxico. E a consequência é conhecida: paralisia institucional, deterioração democrática e ausência de um projeto real de país.

 

Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.

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