MAIS

    Como a IA está mudando para sempre o jeito de encontrar respostas

    Por

    A clássica caixa de busca do Google, que por décadas serviu como principal porta de entrada para a internet, começa a perder espaço.

    No lugar, ganham protagonismo as respostas geradas por inteligência artificial — resumos rápidos, recomendações personalizadas e informações sintetizadas em tempo real por assistentes como ChatGPT, Gemini e Meta AI.

    Esses sistemas entregam o que o usuário procura em segundos, muitas vezes sem que seja necessário clicar em um único link.

    Leia também

    No Brasil, essa transição ocorre de forma especialmente acelerada. Conforme o estudo realizado pela MobileTime com a Opinion Box, mais da metade da população conectada já experimentou esses assistentes: 56% afirmam já ter usado o ChatGPT; 52% interagiram com o Meta AI no WhatsApp; 34% com o Gemini, do Google; 17% com o Meta AI no Instagram; e 8% com o Claude, da Anthropic.

    Diante disso, o Metrópoles entrevistou especialistas para entender os impactos causados.

    Google

    Diante da rápida popularização dos assistentes conversacionais e da ameaça real à hegemonia na internet, o Google respondeu com uma série de movimentos estratégicos.

    Um deles foi a expansão global dos AI Overviews — anteriormente conhecidos como Search Generative Experience — para mais de 120 países, incluindo o Brasil. Esses resumos gerados por IA agora aparecem no topo da página de resultados, sintetizando respostas a partir de múltiplas fontes e alterando completamente a jornada de busca.

    Outras apostas incluem o Gemini for Workspace, que leva a IA generativa para ferramentas como Gmail e Google Docs; o Gemini Live, que permite conversas por voz e vídeo em tempo real com o assistente; os lançamentos dos modelos Imagen 4 e Veo 3, para geração de imagens e vídeos com áudio sincronizado; e o projeto Astra, que deve inaugurar uma nova geração de IAs capazes de interpretar e reagir ao ambiente físico em tempo real.

    Especialista em dados e professor de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), Kenneth Corrêa explica que a IA está no centro de uma revolução que impacta áreas como saúde, educação, sustentabilidade e até o setor criativo.

    “Soluções como a IA generativa permitem criar conteúdos personalizados e inovadores em escala sem precedentes, como o Google está fazendo”, ressalta.

    Para o cofundador da Boomer, empresa especializada em marketing digital, Pedro Paulo Alves essa resposta mostra que o Google compreendeu a gravidade do momento. “A disputa pela atenção do usuário se deslocou para outro tipo de interface, e o Google está correndo para manter a centralidade que sempre teve.”

    Visibilidade digital

    A mudança, no entanto, tem implicações profundas para marcas, negócios e profissionais de marketing. Com os AI Overviews ocupando o topo da Search Engine Results Page (SERP), estamos testemunhando a consolidação do fenômeno conhecido como zero-click search, quando os usuários obtêm respostas completas diretamente na página de resultados, sem precisar clicar em qualquer link.

    Um estudo conjunto da Datos e SparkToro, divulgado em 2024, mostrou que cerca de 58,5% das pesquisas no Google nos EUA e 59,7% na União Europeia terminam em zero cliques.

    Ou seja, o usuário não acessa site externo algum após pesquisar, sendo necessário que as marcas e empresas criem valor e visibilidade diretamente nas plataformas onde as pessoas já estão, sem depender exclusivamente do tráfego para os sites.

    “Estamos falando sobre criar valor independente nas plataformas onde as pessoas estão, em vez de apenas deixar teasers e links na esperança de que sejam compelidas a clicar”, pondera Kenneth Corrêa.

    Para as empresas, isso significa que os profissionais de marketing precisam otimizar especificamente para recursos da SERP, já que os usuários estão consumindo respostas cada vez mais sem clicar nos sites.

    Estimativas do Search Engine Land indicam que sites e marcas que dependem exclusivamente de SEO tradicional podem sofrer quedas de 20% a 40% no tráfego orgânico em buscas que acionam resumos automatizados.

    “As empresas que estavam acostumadas a aparecer nas primeiras posições agora disputam atenção com uma resposta automática que pode, simplesmente, ignorá-las. Se não houver adaptação imediata, a invisibilidade será inevitável.”

    Pedro Paulo Alves, cofundador da Boomer

    Além disso, a forma como os conteúdos são sintetizados pelos algoritmos pode distorcer ou simplificar demais a mensagem original da marca, afetando a narrativa.

    A crescente concentração de poder em poucos ecossistemas de IA torna difícil prever quais empresas terão destaque e com que tipo de abordagem — especialmente considerando que o zero-click marketing exige criar conteúdo que forneça respostas imediatas aos usuários, sem que precisem acessar o site da empresa.

    “Os KPIs clássicos, como impressões e cliques, já não fazem mais sentido em muitos contextos. Estamos em um território onde o que vale é a interpretação algorítmica do conteúdo e sua capacidade de gerar valor direto na SERP, não mais apenas a presença técnica tradicional”, acrescenta Kenneth Corrêa.

    O futuro do branding com a IA

    Esse cenário de automação e síntese algorítmica reacende a importância do branding, mas com uma abordagem técnica e profundamente integrada ao universo digital. Em vez de depender apenas da memória afetiva do consumidor, as marcas agora precisam ser reconhecíveis e relevantes também para as máquinas.

    A IA favorece conteúdos com autoridade técnica, linguagem objetiva e consistência semântica. É o retorno aos fundamentos do branding, porém com uma exigência de engenharia de dados e estruturação textual inédita.

    Nesse novo ambiente, não basta ser conhecido; é preciso ser inteligível para os algoritmos. Isso implica produzir conteúdo com clareza, utilizar dados estruturados, garantir coerência em todos os canais digitais e adotar uma estratégia de conteúdo que funcione tanto para humanos quanto para sistemas automatizados de interpretação.

    Para Naty Sanches, diretora de operações da Growth Comunicações, a chegada da IA generativa como um todo representa uma virada de chave no ecossistema da busca, ou seja, deixa-se de ter uma “caixa de pesquisa”, que entrega links para que os usuários possam navegar e elaborar as respostas e ter-se uma “resposta conversacional”, que vai direto ao ponto a partir da curadoria de respostas.

    “Isso impacta profundamente o comportamento informacional porque muda não só o formato da resposta, mas também a expectativa do usuário. Ao invés de buscar, comparar, clicar e interpretar fontes, as pessoas passam a esperar um resumo direto, contextualizado e pronto para o uso”, alerta. “E isso muda tudo, da lógica de produção de conteúdo à forma como se constrói autoridade digital.”

    Segundo a especialista, a disputa, agora, é por presença na resposta, não apenas por presença nos resultados.

    “Estamos entrando em uma era em que ser encontrado não depende apenas de boas práticas de SEO, mas de ser útil o suficiente para ser resumido com destaque pela IA. Isso impõe uma nova camada de responsabilidade: fazer conteúdo que seja preciso, confiável e, ao mesmo tempo, legível por modelos de linguagem.”

    Naty Sanches, diretora de operações da Growth Comunicações

    “Essa tecnologia representa uma revolução para as agências de marketing e comunicação. Ela oferece oportunidades de otimizar operações, melhorar resultados e criar experiências mais personalizadas para os clientes”, frisa o CEO da IDK, consultoria especializada em marketing, comunicação e tecnologia Eduardo Augusto. “No entanto, seu impacto dependerá de como as organizações lidam com desafios relacionados à ética, governança e capacitação das equipes.”

    Número de cliques

    Essa nova forma de resposta tem reduzido significativamente o número de cliques nos sites e isso já vem sendo monitorado com o fenômeno conhecido como zero-click search.

    Com a IA entregando um conteúdo pronto para consumo, o clique deixa de ser um passo obrigatório e passa a ser uma opção. Isso muda a lógica de atenção e engajamento porque a presença no topo da busca não garante mais o tráfego (só a menção na resposta garante visibilidade real).

    “Essa mudança altera o comportamento do usuário em dois níveis: reduz o esforço cognitivo na busca (afinal, por que abrir cinco links se a IA me entrega um resumo?) e aumenta a confiança na curadoria automatizada, ainda que ela venha sem transparência de fonte ou com possíveis simplificações.

    “Para marcas e criadores de conteúdo, isso representa um novo desafio: ser clicável não basta, é preciso ser ‘resumível’. Mais do que otimizar para o Google, agora precisamos dialogar com a IA do Google”, garante Naty Sanches.

    SEO

    A publicitária Gabrielle Fulcherberguer assegura que embora os resultados orgânicos ainda sigam critérios de indexação e relevância definidos por algoritmos, a IA já começa a assumir esse papel.

    Nesse cenário, marcas e empresas precisam adaptar sites para se destacarem nessas novas formas de apresentação.

    “Surge, assim, o Search Generative Experience (SGE), que utiliza IA generativa para criar respostas mais completas e contextuais. Com isso, o tradicional SEO evolui para o Generative Engine Optimization (GEO), com novas estratégias voltadas à visibilidade nas respostas geradas automaticamente pelos buscadores”, explica.

    A professora do curso de Comunicação e Publicidade da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) ainda explica que, no Google Marketing Live 2025, a big tech apresentou diferentes estudos e testes que já vêm sendo aplicados.

    De acordo com ela, é preciso saber com base em dados se os resultados orgânicos e, principalmente, os pagos, continuarão relevantes para o usuário; e sim, a propostas é que o anúncios continuem sendo apresentados, pois são fonte de ganho para o Google e de interesse para os anunciantes.

    “Assim, mesmo com a introdução do Search Generative Experience (SGE), a tendência é que os anúncios continuem sendo exibidos acima das respostas geradas, pois são a principal fonte de receita do Google. Diante desse cenário em transformação, cabe aos profissionais de marketing e da academia acompanhar essas mudanças e adaptar suas estratégias para continuarem relevantes”, afirma.

    E agora?

    Para os especialistas, o impacto da IA sobre a jornada de busca e descoberta já é uma realidade e não mais uma tendência futura. As empresas que desejam continuar relevantes precisam agir imediatamente.

    Thiago Muniz, especialista em vendas, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e CEO da Receita Previsível, concorda: “O medo da IA geralmente vem do desconhecido. Quando você começa a usar essas ferramentas no dia a dia, percebe que elas não fazem o trabalho por você, elas fazem o trabalho com você, de forma muito mais inteligente”.

    Segundo os especialistas, quatro frentes de ação devem ser priorizadas pelas organizações e marcas:

    • Presença digital em IAs: faça uma análise completa de como sua marca está aparecendo nas respostas geradas por assistentes como ChatGPT, Gemini, Meta AI e outros. Isso inclui testar variações de perguntas, verificar quais fontes estão sendo citadas e identificar se a narrativa está alinhada com a proposta de valor da empresa.
    • Produção de conteúdo nativo: desenvolva materiais pensando diretamente no consumo por inteligências artificiais. Isso envolve o uso de linguagem clara, dados estruturados, respostas objetivas e fontes confiáveis, tudo o que ajuda os algoritmos a entender, classificar e utilizar o conteúdo da melhor forma possível.
    • Monitoramento da reputação algorítmica: a forma como a IA descreve sua marca pode mudar com base em novos conteúdos, atualizações de modelos ou mudanças de contexto. Por isso, é essencial implementar uma rotina de checagem constante para garantir que o posicionamento digital da empresa permaneça adequado e atualizado.
    • Parcerias estratégicas: explore formas de integração com plataformas de IA, seja via APIs, programas de validação de fontes confiáveis ou colaborações para desenvolvimento de conteúdos otimizados. Estar presente nesses ecossistemas de forma proativa será crucial para manter relevância e visibilidade.

    A pergunta já não é mais se a inteligência artificial transformará a forma como as pessoas encontram e se relacionam com marcas, mas sim o quanto essa transformação já está acontecendo e quais empresas terão maturidade e velocidade suficientes para se adaptar antes de desaparecerem do radar algorítmico.

    “Seu celular já tem as ferramentas. A tecnologia já está disponível. O que falta é apenas começar a experimentar e descobrir como essa parceria pode transformar sua rotina de trabalho e a da sua empresa”, complementa Thiago Muniz.