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    Como criptomoeda verde que atraiu gigantes e mirou Musk derreteu 99%

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    “Seria incrível conectar com o Elon [Musk]”, disse o empresário Luis Adaime, então CEO da Moss Earth, uma startup que se autodeclara fomentadora de investimentos sustentáveis, a um lobista norte-americano contratado com a missão de vender uma criptomoeda lastreada em créditos de carbono para bilionários e multinacionais.

    A história do ativo digital faz parte de uma trama que envolve um início avassalador da startup que chegou a patrocinar o Flamengo. O investimento “verde”, vendido como um ativo politicamente correto do mercado financeiro, recebeu aportes de grandes empresas e teve enorme destaque na mídia. Nos últimos anos, contudo, ele perdeu praticamente todo seu valor e acabou exposto como um meio de alavancar fazendas de um dos maiores grileiros do país.

    Os créditos de carbono são uma forma de compensar a geração de poluição por empresas. Cada crédito representa uma tonelada de gás carbônico que deixou de ser emitido por projetos sustentáveis como preservação de florestas ou uso de energia limpa. Quem polui compra os créditos e ajuda a equilibrar as emissões.

    A partir de 2022, esse tipo de ativo passou a ter uma queda brusca devido a dúvidas sobre a credibilidade desse tipo de ação, o que impactou o preço da criptomoeda Moss Credit Carbon (MCO2). Ela chegou a ser comercializada por mais de R$ 100 em valores de hoje (quase U$ 18), mas vale atualmente por volta de R$ 0,80 – teve uma queda de mais de 99%. Hoje, a empresa deixou de atuar com a tokenização de carbono.

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    Empresário Ricardo Stoppe Junior foi preso em operação da Polícia Federal sobre grilagem, propinas e extração ilegal de madeira

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    Luis Adaime ficou conhecido como dono da Moss, que vendeu criptomoeda lastreada em créditos de carbono

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    Aérea, banco e clube

    Antes do tombo, a cripto verde foi vendida como a pioneira nos créditos de carbono via ativo digital. A GOL, por exemplo, anunciou em 2023 que os clientes da companhia aérea poderiam optar por neutralizar suas emissões de voos nacionais ou internacionais a partir da compra de créditos de carbono na plataforma digital da Moss. Além disso, o banco C6 anunciou ter zerado suas emissões de carbono por meio da compra de créditos da Moss.

    Em 2021, quando o ativo estava em alta, a empresa virou patrocinadora do Flamengo, com um valor de R$ 3,5 milhões, em troca de expor a marca nos meiões dos jogadores. O patrocínio acabou sendo marcado por polêmica após o então CEO da Moss, Luis Adaime, reclamar de um atleta que jogava com as meias arriadas, impossibilitando a visualização da marca.

    Adaime era figura bastante presente no noticiário não só pela ligação com o Flamengo – em 2023, ele foi anunciado como um dos participantes de um painel de soluções climáticas organizado pela agência da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO).

    Sonhos grandes

    Nos bastidores, ele revelava sonhos grandes para o token verde. O Metrópoles obteve acesso a uma troca de e-mails entre Adaime e um captador de recursos norte-americano contratado para buscar bilionários e multinacionais e conseguir aportes na criptomoeda verde.

    Entre os bilionários citados nas conversas, está o dono da Tesla, Elon Musk. Em uma das mensagens, datada de maio de 2021, Adaime diz que, no dia anterior, a coisa mais “fenomenal” aconteceu com a Moss. “Como você sabe, Elon Musk tuitou que vai parar de comprar bitcoin para a Tesla por causa do seu impacto ambiental”.

    “A Moss é a única companhia no mundo que tem a solução para isso. Compensar todo o Bitcoin do mundo por um custo anual insignificante de 0,05% por meio da aquisição e ‘queima’ de tokens MCO2”, disse. Adaime ainda emendou que estava espalhando anúncios pelo “mundo inteiro” naquele mesmo dia sobre o tema.

    Em outra ocasião, o empresário disse ao agente norte-americano que “seria incrível conectar com Elon”. “Estou falando sério quando digo que podemos fazer muita economia florestal e redução de emissões com esses 100 milhões de dólares”, afirmou. Como resposta, o captador afirmou que “conhece pessoas próximas dele”, mas tinha dúvidas sobre “o quão sério ele é”. “Mas podemos chegar a ele”.

    O intermediário também fez suas promessas. “Vou me reunir com Jeff Bezos em novembro, na COP 26, e obviamente vou deixá-lo a par da Moss nessa conversa”, disse, referindo-se ao bilionário fundador da Amazon. Ele ainda reivindica ter amarrado a Moss com os Winklevoss, fundadores da Gemini, uma espécie de bolsa de criptomoedas dos Estados Unidos.

    Em algum momento, Adaime rompeu com o consultor norte-americano. De um lado, o dono da Moss disse que não pagou o atravessador porque suas investidas não deram certo. De outro, o lobista disse que gastou amizades de décadas e apresentou Adaime à nata do empresariado e nunca ganhou um trocado.

    Derretimento da criptomoeda verde

    O sonho de grandeza para a moeda espatifou conforme o ativo foi perdendo seu valor de mercado. A cripto verde já havia derretido quando uma operação da Polícia Federal (PF) também colocou em xeque as propriedades que davam lastro ao investimento. Uma das fazendas vendidas como base da MCO2 era a Ituxi, uma propriedade no Sul da Amazônia que fazia parte do império de propriedades de Ricardo Stoppe Jr.

    O empresário, que era parceiro da Moss Earth, foi alvo da Operação Greenwashing por um suposto esquema de propinas em cartórios para grilar mais de 500 mil hectares de terras na Amazônia. Áudios de negociações de corrupção, registros falsos de compras de terras das mãos de pessoas mortas há décadas e até acordos com policiais para proteção informal estão no bojo da investigação.

    Em uma entrevista à Forbes, quando ainda não havia sido devassado pela PF, Stoppe Jr. disse: “A parceria com a Moss nos deu a possibilidade de viabilizar a venda do crédito de carbono e pôr em prática uma série de ações que não conseguíamos fazer porque tínhamos dificuldade na venda do crédito”.

    Após o início da derrocada, a Moss, que tinha um marketing agressivo, parou de atualizar suas redes sociais. Em uma delas, um homem afirmou ter investido na empresa e que, depois, os sócios desapareceram sem dar explicações sobre o que aconteceu com a startup. O ex-CEO da empresa Luis Adaime apareceu nos comentários para dar explicações e refutar o suposto sumiço.

    “Como informado em todos meus updates aos acionistas, à partir de 2022, mudamos a estratégia da empresa de marketplace e intermediadora para uma desenvolvedora de projetos. Acontecimentos a partir de 2023 no mercado de carbono, como críticas pesadas da imprensa internacional (ao meu ver injustas) e projetos REDD fizeram com que o preço de créditos de carbono caíssem como classe de ativos”, disse Adaime. Segundo ele, isso tudo afetou o preço do token. Logo depois, um outro usuário apareceu no comentário dizendo que tinha assuntos para tratar com Adaime, a quem estava procurando há seis meses.

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    O que diz a Moss

    Procurada pelo Metrópoles, a Moss Earth afirmou que segue operando normalmente, embora a empresa tenha deixado de fazer a tokenização de créditos e “concentrando suas atividades no desenvolvimento direto de projetos de carbono, com foco em qualidade técnica e certificação internacional”.

    Segundo o atual CEO, Guilherme Rossetto, a empresa passou por uma reestruturação em 2024, o que justificaria a ausência de atualizações nas redes sociais. “Seguimos ativos e em operação regular”, afirmou.

    Sobre o uso de uma reserva problemática como lastro do token MCO2, Rossetto disse que o projeto Ituxi foi incluído antes dos “apontamentos sobre eventuais inconsistências fundiárias”, que “surgiram apenas em 2024 — dois anos após o início da retração de preços no mercado voluntário de carbono, que se iniciou em 2022”.

    Questionado sobre tentativas de contato com Elon Musk e Jeff Bezos, ele respondeu que houve apenas “contatos comerciais naturais em empresas que atuam em mercados globais” e que não comentaria dados confidenciais.