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Como seria ter um bebê no espaço? Especialista investiga riscos

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Como seria ter um bebê no espaço? Especialista investiga riscos

*O artigo foi escrito pelo professor de biologia Arun Vivian Holden, da Universidade de Leeds, na Inglaterra, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.

À medida que os planos para missões a Marte se aceleram, também aumentam as dúvidas sobre como o corpo humano poderá lidar com isso. Uma viagem de ida e volta ao planeta vermelho daria tempo mais do que suficiente para alguém engravidar e até mesmo dar à luz. Mas será que uma gravidez poderia ser concebida e levada em segurança no espaço? E o que aconteceria com um bebê nascido longe da Terra?

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A maioria de nós raramente considera os riscos aos quais sobrevivemos antes do nascimento. Por exemplo, cerca de dois terços dos embriões humanos não vivem o suficiente para nascer, sendo que a maioria das perdas ocorre nas primeiras semanas após a fertilização, muitas vezes antes mesmo de a pessoa saber que está grávida. Essas perdas precoces e despercebidas geralmente ocorrem quando um embrião não se desenvolve adequadamente ou não se implanta com sucesso na parede do útero.

A gravidez pode ser entendida como uma cadeia de marcos biológicos. Cada um deles deve ocorrer na ordem correta e cada um tem uma certa chance de sucesso. Na Terra, essas chances podem ser estimadas por meio de pesquisas clínicas e modelos biológicos. Minha pesquisa mais recente explora como esses mesmos estágios podem ser afetados pelas condições extremas do espaço interplanetário.

Desafios de ter um bebê no espaço

A microgravidade, a quase ausência de peso experimentada durante os voos espaciais, tornaria a concepção mais incômoda fisicamente, mas provavelmente não interferiria muito na gravidez após a implantação do embrião.

Entretanto, dar à luz e cuidar de um recém-nascido seria muito mais difícil em gravidade zero. Afinal de contas, no espaço, nada fica parado. Os fluidos flutuam. As pessoas também. Isso torna o parto e os cuidados com um bebê um processo muito mais complicado e confuso do que na Terra, onde a gravidade ajuda em tudo, desde o posicionamento até a alimentação.

Ao mesmo tempo, o feto em desenvolvimento já cresce em algo parecido com a microgravidade. Ele flutua em um líquido amniótico neutro dentro do útero, amortecido e suspenso. De fato, os astronautas treinam para caminhadas espaciais em tanques de água projetados para imitar a ausência de peso. Nesse sentido, o útero já é um simulador de microgravidade.

Mas a gravidade é apenas parte do cenário.

Radiação cósmica é um problema

Fora das camadas protetoras da Terra, há uma ameaça mais perigosa: os raios cósmicos. São partículas de alta energia – núcleos atômicos “despojados” ou “nus” – que correm pelo espaço quase à velocidade da luz. São átomos que perderam todos os seus elétrons, deixando apenas o núcleo denso de prótons e nêutrons. Quando esses núcleos nus colidem com o corpo humano, eles podem causar sérios danos celulares.

Aqui na Terra, estamos protegidos da maior parte da radiação cósmica pela espessa atmosfera do planeta e, dependendo da hora do dia, por dezenas de milhares a milhões de quilômetros de cobertura do campo magnético da Terra. No espaço, essa proteção desaparece.

Quando um raio cósmico atravessa o corpo humano, ele pode atingir um átomo, remover seus elétrons e colidir com seu núcleo, eliminando prótons e nêutrons e deixando para trás um elemento ou isótopo diferente. Isso pode causar danos extremamente localizados, o que significa que células individuais, ou partes de células, são destruídas, enquanto o restante do corpo pode não ser afetado. Às vezes, o raio passa direto sem atingir nada. Mas se atingir o DNA, pode causar mutações que aumentam o risco de câncer.

Mesmo quando as células sobrevivem, a radiação pode desencadear respostas inflamatórias. Isso significa que o sistema imunológico reage de forma exagerada, liberando substâncias químicas que podem danificar tecidos saudáveis e interromper a função dos órgãos.

Nas primeiras semanas de gravidez, as células embrionárias estão se dividindo rapidamente, movendo-se e formando os primeiros tecidos e estruturas. Para que o desenvolvimento continue, o embrião deve permanecer viável durante todo esse delicado processo. O primeiro mês após a fertilização é o período mais vulnerável.

Um único impacto de um raio cósmico de alta energia nesse estágio poderia ser letal para o embrião. Entretanto, o embrião é muito pequeno e os raios cósmicos, embora perigosos, são relativamente raros. Portanto, um impacto direto é improvável. Se isso acontecesse, provavelmente resultaria em um aborto espontâneo despercebido.

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Marte possui um ar tão rarefeito que não é capaz de filtrar a radiação cósmica

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Solo poeirento de Marte pode esconder grandes reservas de gelo

NASA/JPL-Caltech/ASU; edição por Daisy Dobrijevic/Space.comm3 de 5

A temperatura média em Marte é de -60ºC

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A temperatura em Marte é de aproximadamente -60ºC

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Atualmente, apenas robôs habitam o planeta

Nasa

Riscos na gravidez

À medida que a gravidez avança, os riscos mudam. Quando a circulação placentária – o sistema de fluxo sanguíneo que conecta a mãe e o feto – está totalmente formada no final do primeiro trimestre, o feto e o útero crescem rapidamente.

Esse crescimento representa um alvo maior. Agora, é mais provável que um raio cósmico atinja o músculo uterino, o que poderia desencadear contrações e causar um parto prematuro. E, embora os cuidados intensivos neonatais tenham melhorado muito, quanto mais cedo o bebê nascer, maior será o risco de complicações, principalmente no espaço.

Na Terra, a gravidez e o parto já apresentam riscos. No espaço, esses riscos são ampliados, mas não necessariamente proibitivos.

Mas o desenvolvimento não termina com o nascimento. Um bebê nascido no espaço continuaria a crescer em microgravidade, o que poderia interferir nos reflexos posturais e coordenação. Esses são os instintos que ajudam o bebê a aprender a levantar a cabeça, sentar-se, engatinhar e, por fim, andar: todos os movimentos que dependem da gravidade. Sem esse senso de “para cima” e “para baixo”, essas habilidades podem se desenvolver de maneiras muito diferentes.

E o risco da radiação não desaparece. O cérebro de um bebê continua a crescer após o nascimento, e a exposição prolongada aos raios cósmicos pode causar danos permanentes, podendo afetar a cognição, a memória, o comportamento e a saúde a longo prazo.

Então, um bebê poderia nascer no espaço?

Em teoria, sim. Mas até que possamos proteger os embriões da radiação, evitar o nascimento prematuro e garantir que os bebês possam crescer com segurança em microgravidade, a gravidez no espaço continua sendo um experimento de alto risco, que ainda não estamos prontos para tentar.

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