Para além das facções criminosas instaladas em solo fluminense há décadas, o estado conta com grupos paramilitares que disputam territórios e poderio com o intuito de dominar e explorar regiões.
Por mais que o crime militar esteja comumente no centro de notícias, a estrutura é complexa e pode ser de difícil entendimento àqueles que não têm proximidade com o tema.
A coluna entrevistou um professor com propriedade para falar do assunto. Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o sociólogo José Cláudio Sousa Alves pesquisa o tema há aproximadamente 33 anos.
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Na linha do tempo
Segundo o especialista, a prática se inicia, em território brasileiro, ainda na ditadura. Não como a milícia que se conhece hoje, mas como um grupo de extermínio ligado à segurança pública.
Em meados de 1964, conforme aponta o professor, os grupos recebiam recursos para atuar como em uma espécie de “limpeza social”. A Baixada Fluminense, região periférica que à época já era extremamente populosa, foi, de acordo com ele, um grande laboratório dos criminosos.
“Os grupos de segurança pública recebiam recursos dos empresários e comerciantes para matar e o regime estatal dava suporte, além de assegurar que não houvesse investigação.” Isso, de acordo com o especialista, para estabelecer, sobretudo, controle político àqueles que eram oposição.
Anos depois, já em 1980 houve a terceirização dos extermínios. “Essa estrutura envolvida na segurança pública terceiriza para que os civis comecem a montar os próprios grupos de extermínios e, dessa forma, tirar a exposição que essa estrutura tinha adquirido na ditadura”, apontou.
É em meados dos anos 1990 que surgem os protótipos da milícia. “Os matadores se elegem vereadores, prefeitos e deputados. Então todo o universo de execução sumária ganha aspecto político com trajetórias bem-sucedidas”, contou Alves.
Os lugares que apontaram a mudança foram, segundo ele, Rio das Pedras, onde a população e policiais civis passaram a se envolver no esquema, e dois bairros de Duque de Caxias: São Bento e Pilar. “Iniciou a ocupação de terras e passou a haver controle de serviços nessa ocupações, como vendas de terra, de água e gás, além do transporte clandestino.”
Estrutura miliciana
Alves aponta que há cinco principais elementos que ilustram a continuidade dos grupos de extermínio no âmbito das milícias.
São eles:
- A atuação de servidores públicos. “A figura do policial é muito forte.”
- Especialistas em causar danos à vida alheia. “Isso porque são treinados pela estrutura de segurança, seja em operação, em convivência com dimensões ilegais e criminosas, como tráfico e extorsão.”
- Controle de territórios. “Eles não atuam de forma solta, estão territorializados e fazem controle militarizado de territórios.”
- Financiados por empresários e comerciantes. “Tanto os grupos de extermínio como a milícia trazem, também, esse elemento do financiamento.
- Trajetórias políticas bem-sucedidas.”Tanto os membros de grupo de extermínio como os milicianos partem para um projeto político eleitoral.”
Segundo o especialista, esses elementos fazem com que a milícia se transforme em uma dimensão de continuidade.
Fase miliciana. O que muda?
“Nesta fase, o leque de possibilidades de negócio é modificado. A milícia vai operar não só com a morte por encomenda e extorsão nesses territórios, mas com vendas”, apontou.
Na consolidação do crime militarizado como conhecemos hoje, o transporte clandestino, ou roubo de petróleo para destilar e fazer combustível adulterado a venda de territórios se converte em uma das principais armas para o lucro miliciano.
O modelo se consolida no início dos anos 2000 e, conforme apontado pelo pesquisador, segue em evolução.
“Essas evoluções se dão a partir dos confrontos que a estrutura miliciana vai ter com outros grupos armados, como as facções criminosas, e na forma como eles estabelecem parceria e alianças”, ressaltou.
Outra modificação significativa que ocorreu ao longo do tempo apontada pelo especialista é a transformação da milícia em um projeto político amplo e consolidado, que antes funcionava de forma individual.
Crescimento contínuo
A evolução é constante, segundo o especialista, isso porque a milícia se consolidou e agora não conta mais com a necessidade de forçar a população a apoiá-la, uma vez que a troca culminou em uma relação de confiança.
“Essa milícia que no passado controlava os votos a partir de uma anotação, já não precisa disso, porque após 10, 20 anos, criou-se uma estrutura de poder inabalável. As pessoas não conseguem prescindir”, analisou.
O professor aponta que a milícia vai se constituindo como uma mediadora de relações sociais, cativando a confiança da sociedade. “Hoje, eles já não precisam anotar dados para fiscalizar as votações porque as pessoas votam na milícia porque querem e veem vantagens nisso”, concluiu.