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    Da terra devastada à floresta em pé, com Sebastião Salgado


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    por Mariana Caminha

    De volta a Brasília, após uma breve visita à Amazônia, abro um dos livros de Sebastião Salgado que tenho na estante. Como da primeira vez, me emociono diante da força de suas imagens — e da sensibilidade deste grande fotógrafo, que perdemos este ano.

    Como uma coisa leva a outra, começo a rever também o documentário O Sal da Terra (2015), dirigido por Wim Wenders e pelo filho de Sebastião, Juliano Ribeiro Salgado. O filme narra, entre outras histórias, a epopeia silenciosa e poderosa da regeneração da fazenda da família Salgado, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Um pedaço de terra que, de estéril, tornou-se abundante em vida. Graças ao trabalho persistente de Sebastião e de sua companheira de vida, Lélia Wanick Salgado.

    Para quem ainda não conhece essa jornada ecológica: depois de décadas registrando, com sua lente humanista, a dor em zonas de guerra, fome e deslocamento, Sebastião voltou ao Brasil nos anos 1990. Ao reencontrar a fazenda onde cresceu, deparou-se com um cenário desolador: solo árido, árvores extintas, nascentes secas. A floresta de sua infância havia desaparecido. Era o retrato cru de um ecossistema colapsado.

    Foi então que ele e Lélia decidiram agir. Recomeçar do zero. Arregaçaram as mangas e começaram a plantar. Dessa decisão nasceu o Instituto Terra, fundado com a missão de restaurar a Mata Atlântica na região de Aimorés, município mineiro na divisa com o Espírito Santo.

    O trabalho do casal começou em um terreno de pouco mais de 600 hectares, completamente degradado. Vinte e cinco anos depois, o resultado: mais de 2,7 milhões de árvores nativas plantadas. E onde antes havia uma paisagem cinza e silenciosa, hoje há uma floresta tropical viva — com nascentes de água, solo fértil, onças, aves raras, anfíbios e uma rica biodiversidade que retornou à cena.

    Mais que um projeto de reflorestamento, o Instituto Terra tornou-se referência internacional em restauração de biomas tropicais. Participa hoje de articulações com órgãos multilaterais, cientistas e gestores públicos, buscando soluções concretas para conter as mudanças climáticas e a perda acelerada de biodiversidade.

    Em um país onde o desmatamento ilegal avança e apenas 12% da Mata Atlântica original resiste, a experiência de Sebastião e Lélia vai muito além de exemplo — é uma prova viva de que ainda dá tempo de mudar.

    Sebastião falava com especial alegria sobre essa transformação, sentimento partilhado por Lélia. Em uma de suas memórias mais tocantes, ela conta: “O mais bonito foi ver o som da floresta voltando. Um dia, ouvimos o canto de um pássaro que não escutávamos há 30 anos. E ele nos disse: a vida voltou.”

    E voltou mesmo.

    P.S.: Recomendo assistir ao documentário O Sal da Terra no Globoplay. É imperdível.

     

    Mariana Caminha é jornalista e especialista em estratégias de comunicação voltadas para crise climática e desenvolvimento sustentável.