Se para muitos parece normal que um presidente não reeleito planeje um golpe de Estado para permanecer no poder; que um deputado se licencie do mandato para conspirar em outro país contra os interesses do seu; e que a maioria do Congresso assista calada à intervenção de um estrangeiro em assuntos que não lhe cabe opinar; então por que soaria absurda a declaração de um general que tem por hábito digitalizar seus pensamentos e, em seguida, imprimi-los, só para não dar-se ao trabalho de lê-los em uma tela de computador?
A verdade é que é quase impossível digitalizar pensamentos sem ler simultaneamente o que está sendo escrito. A não ser no caso de um estenógrafo, coisa que o general não é. E por que imprimir o que pensou em formato de documento para dali a algum tempo simplesmente rasgá-lo sem o mostrar a ninguém? Foi o que disse que fez em depoimento ao Supremo Tribunal Federal o general Mário Fernandes, ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo de Bolsonaro.
O general admite ser o autor do documento batizado de Punhal Verde Amarelo, e que previa, segundo a Polícia Federal, o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do à época presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes. Mário Fernandes está preso preventivamente desde novembro do ano passado. Como um dos réus no processo do golpe, ele pode mentir à vontade a seu favor ou a favor de outras pessoas. É o que a lei assegura a todos os réus em qualquer processo.
Mas para que funcione, um relato tem que ser plausível, verossímil, conter algo de verdade. O documento foi impresso dentro do Palácio do Planalto, onde o general dava expediente em gabinete próximo ao do presidente, e levado para o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República. Militares destacados para executar o plano do general chegaram a sair certa noite de dezembro de 2022 à procura de Lula, Alckmin e Moraes. A ação foi abortada porque não encontraram Alckmin e Moraes, e Lula viajara à tarde a São Paulo.
Se o general de fato destruiu o documento, esqueceu de apagá-lo no arquivo do seu computador: “Esse arquivo digital nada mais retrata do que um pensamento meu que foi digitalizado. Um compilar de dados, um estudo de situação meu, uma análise de riscos que eu fiz e por costume próprio resolvi digitalizar. Não foi apresentado a ninguém e nem compartilhado com ninguém”. Quanto à impressão… Foi apenas por comodidade, para que pudesse ler melhor “e não forçar a vista”
Enfim, o general não enxerga, ou finge não enxergar, a gravidade do seu comportamento. Outra possibilidade: foi mal orientado por seu advogado de defesa, tão néscio quanto ele. Ou então o general prefere ser condenado e cumprir pena a ter que delatar quem quer que seja. Vai acabar assim virando herói entre seus companheiros de farda.
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