Empresários presos por receptação e absolvidos pela Justiça de São Paulo acusam policiais civis do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) e do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra) de forjarem um inquérito para acobertar uma tentativa de golpe em uma seguradora e justificar um roubo de carga que não aconteceu.
Francisco Giampietro Filho, Alex Cardoso Silva, Alexandre Freitas Loiola e Elson Santos da Mata foram detidos, em 30 de agosto de 2022, com servidores da marca Positivo, avaliados em R$ 650 mil.
Os investigadores Sérgio de Souza Campos, Fabio Pinheiro Cintra e um regulador de sinistros teriam entrado em endereços ligados aos investigados, sem mandado judicial, para apreender as mercadorias, alegando que elas teriam sido subtraídas em um assalto ocorrido meses antes, em 10 de junho, na BR-040, em Esmeralda, Minas Gerais.
Caminhão apreendido em Sete Lagoas
Reprodução
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Segundo os empresários, os policiais teriam se recusado a aceitar notas fiscais referentes às aquisições, alegando que os documentos seriam falsos. Eles ainda afirmam ter sido obrigados a assinar documentos, dizendo que estariam recorrendo ao uso do direito ao silêncio.
“Eles pegaram todo o material. Não fizeram perícia, não quiseram conversa. […] Quando a gente foi para o Deic, o Alex apresentou a nota fiscal, o delegado falou: ‘Essa daí é fria’. Se fosse fria, tinha que pegar a nota fiscal e colocar no inquérito. Apresentar uma nota fiscal fria seria um crime maior ainda”, diz Francisco Giampietro ao Metrópoles.
Em denúncia feita à Corregedoria da Polícia Civil, Francisco e Alex Cardoso Silva acusam os policiais de integrarem uma “quadrilha”, com a participação do delegado João Carlos Miguel Hueb. A acusação foi arquivada em abril de 2024. No entanto, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), o caso continua sendo investigado pelo órgão.
Atenas Distribuição
A mercadoria teria sido oferecida ao grupo, em 20 de julho, pela empresa Atenas Distribuição, por meio de um intermediário. Após negociação, foi fechado um acordo de compra, no valor de R$ 650 mil. A quantia foi paga, via cheque e transferências bancárias, mediante a emissão de notas fiscais.
Francisco Giampietro afirma que, em nenhum momento, a empresa Atenas foi investigada. A companhia está no nome de Florisvaldo Oliveira do Carmo, que se encontra preso por homicídio qualificado. Segundo o relatório de investigação da Corregedoria, “tudo indica” que seria uma empresa de fachada.
“Essa Atenas nunca apareceu em processo nenhum. A Corregedoria não investigou, o Deic não investigou. Ninguém investigou”, afirma Francisco.
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O empresário diz que a carga supostamente roubada só foi localizada porque seu colega Alex orientou um possível comprador a procurar a fabricante, para verificar se o produto seria compatível com sua necessidade.
“O Alex ofereceu esse material para uma empresa que ele conhecia que usava um material específico, que é Nutanix, um software específico. Para você usar aquilo, você precisa usar com o software. Mas a gente comprou um material descontinuado, não veio o software. Veio placa, equipamento. Então, o Alex falou para o cliente consultar a Positivo para ver se eles vendiam o software. Aí a Positivo falou: ‘Mas esse material foi roubado em Minas Gerais’.”
“Ninguém que comprou carga roubada ia orientar um cliente a fazer isso. Ele só fez isso porque tinha certeza de que a carga era legítima”, afirma.
“Roubo falso”
O suposto roubo de carga em que os servidores foram subtraídos teria ocorrido quando o motorista Josinaldo Gomes de Paula transportava os equipamentos de Campinas, no interior de São Paulo, para Ilhéus, na Bahia, em 10 de junho de 2022.
Ele registrou um boletim de ocorrência junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF) dizendo ter sido rendido por um grupo de criminosos, na cidade de Esmeraldas, e obrigado a abandonar o veículo, com mercadoria supostamente avaliada em R$ 2 milhões.
O caminhão foi localizado pela polícia no mesmo dia, a poucos quilômetros de distância, na cidade vizinha Sete Lagoas, com apoio da empresa reguladora de sinistros Moraes Velleda, por meio do funcionário Daniel de Oliveira Nogueira.
O veículo estava vazio e lacrado, como mostram fotos tiradas pela própria empresa. Um relatório da gerenciadora de riscos Tecnorisk, que acompanhou a movimentação do caminhão, indica que ele teria sido lacrado fora do pátio. Para os empresários, esses seriam indícios de que a versão dada por Josinaldo à polícia é falsa. A Polícia Civil de Minas Gerais disse não ter investigado o caso.
Sem procuração e sem perícia
Os empresários presos acusam o regulador de sinistros Daniel de Oliveira Nogueira de atuar em parceria com os policiais civis de São Paulo para acobertar o suposto roubo falso de mercadoria.
Daniel seria amigo do policial Fabio e acompanhou o investigador no momento em que os servidores foram encontrados com os investigados. Inclusive, teria sido o regulador de sinistros a pessoa responsável por reconhecer os materiais como os que haviam sido roubados meses antes.
Na representação à corregedoria, os empresários afirmaram que, na data da operação, 30 de agosto, Daniel sequer estava habilitado como representante da empresa Positivo e só teria recebido a procuração no dia seguinte. Além disso, em nenhum momento teria havido perícia nos produtos subtraídos.
A denúncia foi arquivada em fevereiro de 2024. Os autores recorreram até abril daquele ano, sem sucesso. Ao representar pelo arquivamento da denúncia, o promotor Rafael Adeo Lapeiz, da Promotoria Criminal do Foro do Tatuapé, afirmou que há respaldo legal para a realização de investigações preliminares antes da instauração de inquéritos policiais. Ele, no entanto, não se manifestou sobre os outros pontos levantados pelos empresários.
Francisco Giampietro ainda tentou denunciar o caso em seis promotorias criminais do Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da capital paulista, sendo sempre encaminhado para a 5ª Promotoria.
O promotor Fábio José Bueno arquivou a denúncia, em 29 de maio de 2024. A autoridade entendeu que não houve falso testemunho, porque, segundo ele, as testemunhas não afirmaram categoricamente que houve roubo, mas apenas que “ouviram dizer”.
O que diz a SSP
Questionada pelo Metrópoles, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que a um procedimento em andamento por meio da Corregedoria da Polícia Civil. A pasta não especificou se faz referência ao procedimento já arquivado.
“A Polícia Civil informa que já está em andamento, por meio da Corregedoria, um procedimento para apurar todas as denúncias citadas, bem como as circunstâncias relativas aos fatos narrados. O procedimento é conduzido com absoluto rigor, imparcialidade e observância aos trâmites legais vigentes”, diz a SSP.
O Metrópoles não conseguiu localizar os policiais Fabio Pinheiro Cintra, Sérgio de Souza Campos e João Carlos Miguel Hueb e o regulador de sinistros Daniel Oliveira Nogueira. O espaço segue aberto para manifestação.