Andrea Menezes, de 42 anos, é moradora de Paraisópolis, comunidade na zona sul de São Paulo. Nessa quinta-feira (10/7), ela recebeu uma ligação na qual foi avisada de que a própria casa havia sido invadida durante uma ação da Polícia Militar (PM). Mais que isso: um jovem foi rendido e executado no local.
Quando chegou, deparou-se com a residência toda ensanguentada, com buracos de bala na parede e objetos revirados. “Levaram [o corpo] no meu edredom e na minha coberta. Levaram o rapaz enrolado que eu vi”, conta a dona do imóvel.
Leia também
-
Paraisópolis: suspeito estava desarmado em ação da PM, diz testemunha
-
Veja como ficou casa onde PM matou suspeito rendido em Paraisópolis
-
Morte em Paraisópolis: MPSP vê execução em ação da PM e acompanha caso
-
Execução em Paraisópolis: comunidade lidera mortes por PMs em SP
“Estado de choque”
Agora, o cansaço e a indignação se misturam com o trauma na vida de Andrea. “Eu não consigo entrar no quarto. Ainda estou em estado de choque, porque é uma coisa fora do normal. Não estou acreditando que aconteceu isso ainda”, indigna-se. “Vou procurar casa para alugar, porque eu não quero mais ficar lá”.
A corporação, inclusive, chegou a afirmar inicialmente que ali funcionava uma casa-bomba. No entanto, isso foi desmentido mais tarde.
“Eu trabalho, saio cedo de casa, faço uns bicos de babá, tem hora que eu olho criança em casa”, destaca Andrea. “Estou na casa de uma amiga porque não tenho mais coragem de dormir na minha depois desse acontecido”, lamenta a cuidadora.
Suspeitos desarmados
O jovem executado em Paraisópolis por PMs estava desarmado, assim como os outros três suspeitos que também invadiram a casa para fugir de perseguição, segundo uma testemunha ouvida pelo Metrópoles. O morto, Igor Oliveira, tinha 24 anos.
Leia também
-
Paraisópolis: suspeito estava desarmado em ação da PM, diz testemunha
-
Veja como ficou casa onde PM matou suspeito rendido em Paraisópolis
-
Morte em Paraisópolis: MPSP vê execução em ação da PM e acompanha caso
-
Execução em Paraisópolis: comunidade lidera mortes por PMs em SP
Veja como ficou o quarto em que ocorreu a execução:
Os policiais afirmaram ter encontrado armas e drogas no local, o que foi desmentido pela proprietária do imóvel. Em fotos e vídeos enviados à imprensa, o material apreendido aparece disposto sobre a cama. Atrás do móvel, era possível ver o rosto do homem morto, com olhos abertos e um tiro no pescoço. A imagem foi borrada pela reportagem.
3 imagens
Fechar modal.
1 de 3
PM matou homem rendido em Paraisópolis
TV Folha/Reprodução2 de 3
Drogas e armas foram apreendidas em casa que suspeitos foram presos
Polícia Militar do Estado de São Paulo/Reprodução3 de 3
Após tiroteio que matou um suspeito, PM apreendeu drogas e armas em casa
Polícia Militar do Estado de São Paulo/Reprodução
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) lamentou a divulgação das imagens. Em coletiva de imprensa, na manhã dessa sexta (11/7), o porta-voz da PM repudiou a conduta dos agentes que mataram um homem rendido. Dois policiais foram presos em flagrante. Os demais presentes na operação, que testemunharam os tiros, foram indiciados, mas não presos.
A Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo anunciou, nesta sexta-feira (11/7), que o Ministério Público (MPSP) vai acompanhar as investigações. Foi designado o promotor do Tribunal do Júri Everton Zanella para participar do caso.
PM mudou versão
- Inicialmente, a PM afirmou que agentes realizavam patrulhamento pela região quando receberam uma denúncia sobre indivíduos que estariam armados com fuzis na região.
- Segundo a corporação, ao chegar no local, os policiais perceberam uma “correria” e uma tentativa de fuga por parte de quatro suspeitos.
- Os supostos criminosos entraram em uma residência da região.
- Um suspeito foi baleado e morreu no local. Os outros três foram presos.
- Armas de fogo, munições, entorpecentes e anotações do tráfico foram apreendidos.
- Mais tarde, a polícia informou que a operação no local foi montada para averiguar a existência de uma casa-bomba na região. O endereço, contudo, não foi localizado.
Comunidade protestou após morte de suspeito
Os moradores de Paraisópolis protestaram após a morte de homem em suposto confronto com a polícia. Os manifestantes montaram barricadas e atearam fogo em pneus e madeira nas ruas do bairro.
Eles também viraram carros e trocaram tiros com policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota). Os moradores foram contidos por 300 agentes.
Durante a manifestação, outro homem foi morto. Desta vez, a PM afirma que não houve exagero por parte da corporação. Um policial foi baleado e socorrido ao Hospital Albert Einstein.
A SSP dividiu o caso em duas ocorrências: a da operação que matou um homem durante a tarde e a do protesto em si. Ambas estão sendo investigadas pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), por meio de inquérito policial.
Um inquérito policial militar também foi instaurado para apurar os fatos. As câmeras corporais dos agentes serão analisadas para completo esclarecimento das ocorrências, informou a pasta.
Comissão de Direitos Humanos repudia ação policial em Paraisópolis
Em nota, a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) repudiou a ação policial que resultou em duas mortes na comunidade de Paraisópolis.
“A operação evidencia, mais uma vez, a face letal da política de segurança pública que historicamente recai sobre os territórios periféricos, onde a lógica do confronto e da repressão tem prevalecido em detrimento do respeito aos direitos fundamentais e à vida. As comunidades não podem ser tratadas como campos de guerra”, afirma a entidade.
Assinado pela deputada estadual Márcia Lia (PT), o texto diz ainda que a comissão “acompanhará o caso de perto, cobrando apuração rigorosa dos fatos, responsabilização dos envolvidos e medidas que impeçam a repetição de tragédias como essa”.
“Também reforçamos a necessidade da participação da comunidade, da Defensoria Pública, do Ministério Público e das autoridades de segurança na apuração do ocorrido”, diz a nota.
Paraisópolis lidera mortes por PMs
Como o Metrópoles mostrou na reportagem especial A Política da Bala, a comunidade de Paraisópolis é líder, em toda a capital paulista, no número mortes causadas por PMs. O material, que analisou 246 mortes em ações da corporação, revelou que os agentes mataram 85 pessoas desarmadas e 47 com tiros pelas costas.
O 89º Distrito Policial (Morumbi) é a delegacia com a área que possui mais casos na cidade, um total de 14. Desses, a reportagem localizou cinco casos apenas em três quarteirões de Paraisópolis. Ao menos um deles, sobre a morte de um adolescente, levantou suspeitas de que o suposto confronto apontado pelos PMs pode não ter acontecido.
Os casos aconteceram nas ruas Herbert Spencer, Pasquale Gallupi e Ernest Renan – essa última é a mesma onde acontecia o baile funk em que houve o tumulto com a chegada de PMs e que resultou nas mortes dos jovens que estavam no local. Dos 22 PMs que mataram mais de uma pessoa em 2024, cinco são do 16º Batalhão, que atende a região de Paraisópolis.
10 imagens
Fechar modal.
1 de 10
Um levantamento inédito do Metrópoles mostra que 85 pessoas mortas pela PM em 2024 na cidade de São Paulo não portavam arma de fogo. Foram mortas 246 pessoas no ano
Arte2 de 10
A PM deu pelo menos 459 disparos para matar 85 pessoas em ocorrências em que nenhum dos suspeitos portava arma de fogo no momento em que foram baleadas. O número de tiros representa uma média de 5,4 por ocorrência
Reprodução3 de 10
Um dos casos de maior repercussão foi o da morte do estudante de medicina Marco Aurélio Acosta, que estava desarmado
Arquivo pessoal4 de 10
Os pais do estudante, Júlio César Navarro e Silvia Monica Cardenas, prometem ir às últimas consequências por Justiça
Artur Rodrigues/Metrópoles5 de 10
Outro caso de pessoa desarmada Gabriel Renan Soares, baleado pelas costas por um policial de folga quando tentava furtar produtos de limpeza de um mercadinho
Material cedido ao Metrópoles6 de 10
Entre os mortos também está João Victor, que implorou para não morrer durante ação da PM
Arquivo pessoal7 de 10
O colombiano Michael Stiven Ramirez Montes foi morto com 25 tiros durante um surto, em um apartamento na região da Cracolândia
Reprodução8 de 10
O colecionador de armas (CAC) Marcelo Berlinck Mariano Costa atirou de dentro de uma cobertura em Pinheiros (bairro nobre de SP na zona oeste) e acabou preso pela PM sem ser baleado
9 de 10
O governador Tarcísio de Freitas
Pablo Jacob/Governo de SP/Divulgação10 de 10
O secretário da Segurança, Guilherme Derrite, é conhecido pela exaltação à letalidade policial, o que especialistas afirmam que pode ter pesado nas estatísticas
Reprodução/Instagram
O que diz a PM
Em relação ao volume de mortes causadas pela corporação, a Polícia Militar afirmou, por meio de nota, que “não tolera desvios de conduta” e que, “como demonstração desse compromisso, desde o início da atual gestão, 463 policiais militares foram presos e 318 demitidos ou expulsos”.
Segundo a PM, todas as mortes por policiais são investigadas com acompanhamento da Corregedoria e do Ministério Público do estado. Além disso, o comunicado afirma que em todos os casos são instauradas comissões para identificar “não conformidades”.
“A atual gestão investe em formação contínua do efetivo, capacitações práticas e teóricas, e na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, como armas de incapacitação neuromuscular, com o objetivo de mitigar a letalidade policial”, diz o comunicado”.