Rio de Janeiro, Fortaleza, Mato Grosso do Sul e Goiás. Na última semana, o Portal Metrópoles noticiou ao menos quatro ataques envolvendo cães da raça pit-bull, sendo que no último, ocorrido na quarta-feira (2/7), uma criança de três anos não resistiu às mordidas.
Em três dos casos, os ataques foram registrados em via pública. No último, no qual a criança perdeu a vida, o animal pertencia ao proprietário da residência em que a família da vítima residia há cerca de um mês.
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As notícias dos episódios violentos colocaram a raça no centro de um debate que analisa quão seguro é manter um pit-bull em casa. Há quem defina a raça como “monstruosa” e há quem ressalte a importância de analisar o histórico de vida dos pets antes deles se envolverem nos ataques.
A coluna conversou com dois médicos veterinários que têm propriedade para falar sobre o assunto. Ambos chegaram à mesma conclusão: a falta de conhecimento e a negligência por parte dos tutores contribuem diretamente para os registros de ataques sangrentos envolvendo cães.
Um ser individual
Para Vítor Morato Ximendes, médico veterinário em Brasília pela União Pioneira de Integração Social (Upis), é essencial entender, acima de tudo, que os animais são seres individuais que não podem ser resumidos a estigmas e características genéricas.
Segundo ele, a imagem de que a raça pit-bull é perigosa ocorre por motivos históricos. Tendo seu primeiro registro de existência feito em meados de 1860, os pit-bulls foram usados, por muito tempo, sobretudo devido ao seu porte físico, em rinhas de cães. Isso, porém, não ficou no passado. Eventualmente investigações descortinam situações semelhantes no Brasil.
“Na verdade, é uma raça que se encaixa como cão de guarda, por ser forte e por ter essa imagem já interpretada pela sociedade como um cão perigoso. No entanto, pit-bulls podem ser muito dóceis, afetuosos e amorosos. Para isso, os tutores precisam ser altamente responsáveis”, explicou.
O especialista alertou que a raça pode sim ser perigosa, mas quando criada pelas pessoas erradas. “A culpa não é do animal, mas dos tutores. Quando se há ataques, é preciso investigar a causa base. Como esse animal foi criado? Há histórico de abandono emocional? Ele fica isolado? Já teve aproximação com outros animais e crianças?”, questionou.
Normalmente, segundo o médico veterinário, o histórico de pit-bulls com registros de violência são negativos.
Características físicas
Flávio Nunes, médico veterinário com especialização em neurociências, comportamento humano e etologia clínica veterinária, possui amplo conhecimento na área. Sua dissertação de mestrado é intitulada “Influência do Responsável Legal nos Ataques Fatais de Cães a Humanos”.
O especialista destacou que pit-bulls, dobermann, pastor alemão e fila brasileiro possuem características físicas que, em caso de ataque, podem resultar em lesões mais graves devido à força e ao porte. Contudo, raças como o dachshund estão no topo da lista das mais agressivas e “temperamentais” e poucos sabem disso.
“Quando falamos em ataques, o risco que um pit-bull representa pode ser maior devido à sua potência de mordida. Contudo, o risco de um ataque em si não é exclusivo da raça. Um Poodle não devidamente socializado e treinado pode morder, mas as consequências serão diferentes de um ataque de um pit-bull”, analisou.
Preconceito
Os veterinários concordam que há uma estigmatização da raça. “Essa estigmatização é alimentada por uma cobertura midiática sensacionalista e pela falta de informação sobre o comportamento canino. Muitos incidentes são atribuídos à raça, ignorando o contexto da criação, o histórico do animal e a responsabilidade do tutor”, opinou Flávio.
Os especialistas também revelaram que a informação de que pit-bulls não costumam se dar bem com crianças não procede.
“Cães, de qualquer raça, se bem socializados desde filhotes e acostumados a conviver com crianças, podem ter um excelente relacionamento”, disse Flávio.
Vítor Morato destaca, entretanto, que a interação entre cães e crianças deve ser supervisionada.
Tutores atacados
Ambos os entrevistados concordam que ataques envolvendo tutores são de complexa análise. Segundo eles, os casos são individuais e não é possível sinalizar motivações com informações superficiais.
Os médicos veterinários sinalizaram que os episódios estão, geralmente, diretamente ligados aos cuidados com o animal.
“Falhas graves na socialização e treinamento; ambiente inadequado; problemas de saúde não diagnosticados no animal que causam dor ou irritabilidade, ou mesmo a falta de reconhecimento dos sinais de agressão por parte do tutor”, sinalizou Flávio.
“Em muitos desses casos, o cão pode estar apresentando comportamentos agressivos há um tempo, mas os sinais são ignorados ou mal interpretados, culminando em um ataque fatal”, completou.
O que deve ser feito e como escapar?
Os especialistas indicam que é necessário manter a calma. Em caso de ser o alvo, o aconselhado é tentar proteger o rosto, pescoço e tórax, que são áreas vitais.
“Utilize objetos que estejam ao seu redor, como uma mochila, casaco ou bolsa, para colocar entre você e o cão, criando uma barreira. O objetivo é desviar a atenção do cão para o objeto. Se você for derrubado, enrole-se em posição fetal, protegendo a cabeça com os braços e as mãos. Gritar ou correr pode excitar ainda mais o animal”, alertou Flávio Nunes.
O segredo é tentar se afastar lentamente. Se houver mais de uma pessoa, uma pode tentar distrair o cão enquanto a outra se distancia ou procura ajuda.
“Nunca tente separar uma briga de cães colocando-se no meio, use água, um cobertor ou algum objeto que possa criar uma barreira. Após o ataque, procure atendimento médico imediatamente, mesmo que as lesões pareçam leves”, ensinaram.
Chave para ter um pit-bull amoroso:
- Socialização precoce e adequada: Expor o filhote a diversas pessoas, ambientes, cheiros e outros animais de forma positiva e controlada.
- Treinamento consistente: Ensinar comandos básicos de obediência e garantir que o cão responda a eles.
- Manejo e enriquecimento ambiental: Oferecer um ambiente que supra as necessidades físicas e mentais do cão, com exercícios diários, brinquedos e atividades que evitem o tédio e a frustração.
- Supervisão: Nunca deixar crianças ou pessoas vulneráveis sozinhas com o cão, mesmo que o animal seja dócil.
- Identificação de sinais de agressão: Aprender a reconhecer os sinais de estresse, medo ou agressividade no cão (orelhas para trás, rabo entre as pernas, rosnados, postura rígida, pelos eriçados) e agir de acordo, consultando um veterinário ou especialista em comportamento animal.
- Contenção adequada: Utilizar coleira, guia e, se necessário, focinheira em locais públicos, principalmente para cães com histórico de agressividade ou raças de grande porte.
- Castração: A castração pode ajudar a reduzir comportamentos agressivos relacionados a hormônios, mas não resolve problemas comportamentais decorrentes de má criação.
- Consulta a um especialista: Se notar qualquer sinal de agressividade ou comportamento preocupante, procure imediatamente a ajuda de um veterinário especializado em comportamento animal.