O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) renovou contratos que somam R$ 14,8 milhões com empresa de vigilância terceirizada que está proibida de ser contratada. A renovação dos acordos nessas condições contraria a Lei 14.133/2021, também conhecida como a Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Sediada em Brasília, a AC Segurança LTDA é investigada pela Polícia Federal (PF) por suposto envolvimento em fraudes de licitação e, desde março deste ano, está impedida de firmar e renovar contratos com a administração pública. A sanção foi aplicada pelo Ministério da Educação e publicada no Diário Oficial da União (DOU). O órgão, no entanto, deixou de registrar o impedimento nos cadastros oficiais do governo, descumprindo o prazo legal de 15 dias, e outros ministérios renovaram contratos com a empresa.
MEC publica punição a empresa de AC Segurança LTDA no Diário Oficial da União
A punição do MEC só foi informada ao Sistema de Cadastro de Fornecedores (Sicaf) e ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) no último dia 8, depois que a coluna questionou a pasta sobre as sanções aplicadas à empresa.
Nesse meio-tempo – entre a punição aplicada pelo MEC no DOU e o registro nos cadastros do governo –, quatro ministérios prorrogaram contratos com a AC Segurança por meio de termos aditivos ou de apostilamento. São eles, os ministérios da Agricultura e Pecuária (Mapa), da Pesca e Aquicultura (MPA), da Ciência e Tecnologia (MCTI) e do Desenvolvimento Social (MDS). A Controladoria-Geral da União (CGU) também firmou termo de apostilamento com a empresa repassando direitos e responsabilidades do contrato para o MPA, apesar do impedimento.
Em nota, todos os órgãos explicaram que a punição aplicada pelo MEC não estava nos cadastros oficiais do governo quando renovaram o contrato. Bastava uma pesquisa no DOU, no entanto, para encontrarem a sanção.
O Ministério da Educação, por sua vez, se limitou a dizer que o impedimento foi publicizado no Diário Oficial da União e teve efeitos imediatos a partir da publicação. A pasta não se manifestou sobre a omissão em incluir a punição nos cadastros oficiais do governo.
Inep declarou como vencedora empresa proibida de firmar contratos
Conforme revelou a coluna na semana passada, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) também declarou a AC Segurança como vencedora em licitação de R$ 7,2 milhões que foi aberta para, justamente, substituir a empresa investigada.
A AC Segurança é suspeita de integrar grupo de empresas do setor que simulavam concorrência e fraudavam licitações para obter contratos com o poder público que, juntos, alcançam cifras bilionárias. A organização criminosa foi alvo da Operação Dissímulo, da Polícia Federal, em fevereiro deste ano. A investigação conta com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Receita Federal.
4 imagens
Fechar modal.
1 de 4
Endereço da AC Segurança em Brasília
Reprodução/Google Street View2 de 4
Esplanada Serviços, empresa do setor de terceirização é investigada pela PF
Reprodução/GoogleStreetView3 de 4
Carlos Tabanez no Clube GSI no DF fazendo aula de tiro
Reprodução/Instagram4 de 4
Advogado Alair Ferraz é “venerável mestre” de Carlos Tabanez
Reprodução/Redes Sociais
Além de estar envolvida no escândalo, a AC Segurança atrasa salários de terceirizados e descumpre cláusulas contratuais.
No caso dessa nova licitação do Inep, o contrato ainda não foi assinado. O órgão informou à coluna que, inicialmente, quando declarou a firma vencedora, “não havia impedimento legal em vigor com efeito nacional que inviabilizasse sua habilitação”. Em seguida, relatou ter tomado conhecimento da sanção somente no dia 8 de julho, após o MEC atualizar o Sicaf em razão da demanda feita pela coluna, e acrescentou que “medidas cabíveis serão adotadas em total aderência à legislação vigente”.
Entenda legislação que proíbe governo de renovar contratos com empresas punidas
Em 26 de março deste ano, o MEC publicou um aviso de penalidade no Diário Oficial da União comunicando que a AC Segurança estava impedida de licitar e ser contratada pelo prazo de 12 meses com a administração pública e autarquias. O motivo: atraso no pagamento e não pagamento dos salários dos funcionários terceirizados.
O art. 91 da Lei 14.133/2021 exige que a administração pública, antes de formalizar ou prorrogar o prazo de vigência do contrato, verifique a regularidade fiscal do contratado, consulte o CEIS e o CNEP e emita as certidões negativas de inidoneidade, de impedimento e de débitos trabalhistas.
Já o art. 161 da mesma legislação estabelece que os órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos deverão, no prazo máximo 15 dias úteis, contado da data de aplicação da sanção, informar e manter atualizados os dados relativos às sanções por eles aplicadas, para fins de publicidade no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep), instituídos no âmbito do governo federal.
O MEC, no entanto, demorou 83 dias, após o prazo legal, para atualizar o cadastro do governo.
Histórico de atrasos
A empresa de vigilância têm longo histórico de descumprir cláusulas contratuais pelos locais que presta serviço. Pela prática de atrasar salário e não efetuar pagamentos aos funcionários, a AC Segurança já recebeu multa, advertência e, em alguns casos, ficou impedida de licitar com algum órgão público específico.
No entanto, a punição que a firma de vigilância recebeu do MEC em março é mais dura que as outras oito sanções atualmente vigentes contra ela, porque não se estende apenas ao Ministério da Educação, mas sim a todos os órgãos públicos.
Fundação Oswaldo Cruz aplicou punição a AC Segurança por sucessivos atrasos de pagamento dos trabalhadores, incluindo atraso do pagamento das férias dos funcionários terceirizados
Veja, a seguir, o que diz cada Ministério que renovou contrato com a AC Segurança
Controladoria-Geral da União
Nem mesmo o principal órgão de controle e fiscalização de contratos da Administração Pública federal escapou do tropeço do MEC. Em 28 de abril, a Controladoria-Geral da União (CGU) publicou o extrato de apostilamento em que transferiu os direitos e responsabilidades do contrato com a AC Segurança para a MPA.
Em nota, o órgão do governo informou que “a sub-rogação foi de interesse do MPA, com a autorização da AC Segurança, possui parecer jurídico, e a sede atual da CGU possui condomínio que vai prestar o serviço de vigilância”.
A CGU disse ainda que à época da assinatura do apostilamento, em 22 de abril, “não havia registro” na base de dados do Sicaf sobre a sanção aplicada ao MEC à AC Segurança.
Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA)
Em 27 julho, a AC Segurança e o MPA assinaram a prorrogação do contrato por mais 12 meses, “ou até que se conclua novo procedimento licitatório”. O novo contrato, de R$ 5 milhões, começou a valer no último dia 2 de julho. O extrato do termo aditivo foi publicado um dia depois no Diário Oficial da União (DOU).
Procurado pela coluna, a pasta do governo informou que “não existiam impedimentos de licitar registrados no âmbito do SICAF”.
Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa)
Em 27 de maio, o Mapa prorrogou a vigência do contrato com AC Segurança por mais de 60 dias, ou seja, passando a valer para o período de 14 de julho a 11 de setembro, ou até a conclusão do novo processo licitatório para contratação de empresa vigilância armada. Com novo termo aditivo, o contrato foi atualizado para R$ 1,17 milhões.
Ao Metrópoles, o ministério informou que “penalidade aplicada pelo MEC é posterior à celebração do aditivo que prorrogou a vigência do referido contrato”
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI)
No dia 21 de maio, o MCTI assinou a prorrogação do contrato com a AC Segurança por 12 meses. O valor inclusive foi atualizado para R$ 7,76 milhões.
Procurada, a pasta do governo informou que na data da publicação do aditivo, a punição do MEC a AC Segurança não constava “nos sistemas oficiais de consulta a penalidade”. “As decisões administrativas são tomadas com base nas certidões e registros oficiais disponíveis no momento da assinatura”, informou a pasta.
Em nota, o ministério escreveu que “tomou ciência de nova condição impeditiva” relativa a AC Segurança em 9 de julho (quarta-feira passada). “Diante disso, serão adotados os procedimentos administrativos cabíveis. A empresa será formalmente notificada e terá prazo para apresentar justificativas, conforme os princípios do contraditório e da ampla defesa”.
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)
Em 9 de maio, o MDS assinou o termo aditivo com AC Segurança, prorrogando a vigência do contrato por mais 90 dias, para o período de 11 de maio a 10 de agosto.
O contrato “poderá ser unilateralmente encerrado pela Contratante, quando da conclusão do processo licitatório substitutivo”, diz trecho do extrato publicado no Diário Oficial da União (DOU). Com isso, o valor do contrato foi atualizado para R$ 843 mil.
Neste momento, o MDS está com licitação aberta para contratar uma empresa de vigilância. O edital foi publicado no dia 16 junho.
Procurada pela coluna, a pasta do governo informou que “a prorrogação da vigência do contrato com a empresa AC Segurança foi realizada com base na legislação vigente e após a devida verificação das certidões e registros da empresa nos sistemas oficiais (SICAF, PGFN, Caixa CRF, TCU, Cadin, CNEP e CEIS)”.
Naquele momento, ou seja, em 9 de maio, “não foi identificado nenhum impedimento que inviabilizasse a continuidade da contratação com a Administração Pública direta”
Por fim o Ministério do Desenvolvimento Social, anotou destacou que “a penalidade aplicada pelo Ministério da Educação à empresa AC Segurança só foi registrada no SICAF no dia 7 de julho de 2025, ou seja, após a assinatura do termo aditivo por este Ministério. Dessa forma, no momento da prorrogação, não havia registro impeditivo vigente”.