Longe do ar livre, do sol e da liberdade. Nos últimos anos, histórias de pessoas colocadas injustamente atrás das grades ganharam visibilidade em todo o país. No centro do debate, muito mais do que números, os inocentes detidos têm nomes, rostos e famílias.
A coluna reuniu histórias de pessoas que, para além de estatísticas, tiveram suas vidas completamente modificadas por erros da Justiça brasileira.
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Vivendo a 3 mil quilômetros de distância um do outro, Antônia Edilene Rodrigues de Freitas e Cleber Michel Alves não se conhecem, mas compartilham da angústia de terem tido a liberdade roubada após serem condenados injustamente.
A angústia de uma mãe
O ano era 2012, quando a auxiliar de costureira Antônia Edilene Rodrigues de Freitas teve sua rotina tranquila, à época vivida em Fortaleza (CE), abalada bruscamente ao descobrir que sua filha de 12 anos havia sido estuprada pelo seu ex-namorado.
Além da angústia de lidar com o fato da filha ter sido vítima de um predador que, em algum momento, teve sua confiança, Antônia foi inserida num cenário de luta que jamais se imaginou.
Em 2021, ela foi condenada a nove anos e quatro meses de prisão por omissão no caso de estupro da própria filha. Isso porque, apesar da falta de provas e depoimentos que a incriminasse, em 2015, um aditamento à denúncia a incluiu como acusada — sem que ela ao menos tivesse tido conhecimento disso.
Edilene foi presa injustamente quase dez anos após o crime. Ao todo, foram 940 dias atrás das grades, em regime fechado, na Unidade Prisional Feminina Desembargadora Auri Moura Costa, localizada em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Entre a angústia de estar longe da filha e a dor de ter sido colocada numa posição degradante, ainda que não tivesse feito nada, Antônia cumpriu 27% da pena. Quase um terço do total.
Durante todo o período em que a mãe esteve presa, a filha da mulher, agora já adulta, buscou apoio na Defensoria Pública do Ceará e no Innocence Project Brasil para provar a inocência da mãe.
Após assumir o caso, as instituições produziram novas provas que confirmaram que Edilene agiu prontamente ao saber do abuso da filha, tendo imediatamente confrontado o ex-namorado em seu local de trabalho, exigindo explicações e repudiando sua conduta, além de ter proibido que ele voltasse a entrar em sua casa e a ter contato com sua filha, atitude esta que, na visão de sua defesa, jamais poderia ter sido qualificada como omissa.
Após dois anos e sete meses detida, Edilene foi libertada em agosto de 2024, e, em setembro, sua inocência foi reconhecida por decisão unânime do Tribunal de Justiça do Ceará.
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Felicidade roubada
Era setembro de 2016 em Cerquilho, interior de São Paulo (SP). Faltavam poucas semanas para que o autônomo Cleber Michel Alves vivesse o dia mais feliz de sua vida. Em breve, ele conheceria o rosto de seu primeiro filho.
No dia 20 daquele mês, porém, a vida do homem foi virada do avesso — e o motivo nada tinha a ver com o nascimento da criança.
Cleber foi pego de surpresa ao ser acusado de abusar sexualmente de uma jovem de 13 anos na cidade de Cerquilho. Ele foi condenado por estupro de vulnerável com pena de 10 anos de reclusão.
À época, a única prova era a palavra da suposta vítima. Apesar de sempre ter negado a autoria do crime, ele permaneceu mais de mil dias detido.
Para se defender, ele afirmava que estava longe do município no dia e hora dos fatos. Sua defesa chegou a apresentar documentos comprovando que ele passou por cidades distantes de Cerquilho naquele dia, o que o impediria de estar lá no horário em que o crime teria acontecido.
Ao tomar conhecimento de que o Innocence Project Brasil buscava provar a inocência de Cleber, a própria vítima procurou a Justiça para se retratar, admitindo que o crime nunca ocorrera e que havia acusado Cleber falsamente.
Além disso, o Projeto conseguiu registros de localização telefônica e de radares de estradas que confirmaram o álibi de Cleber.
Em abril de 2020, após a retratação da vítima, o inocente foi finalmente liberado para voltar para casa, ao menos até a apreciação definitiva da revisão criminal. Em 10 de agosto de 2021 a decisão foi enfim acolhida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Após três anos e meio encarcerado, Cleber pôde enfim conhecer seu filho, nascido poucas semanas depois de sua prisão.
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