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    Nem a morte consegue matar duas mulheres tão cheias de vida

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    Em menos de um mês, duas brasileiras morreram antes da hora e entristeceram esse país de emoções exageradas. Uma, aos 26 anos. A outra, aos 50.

    Duas mulheres de pele bem brasileira, de vontades alegres, de decisões livres e fortes, de gestos arrojados e destemidos, mulheres insubmissas que morreram em condições extremas.

    É isso o que mais dói e nos deixa perplexos. Vidas interrompidas antes da velhice por duas viventes que tinham muito gosto de estar aqui.

    Nada é mais desconcertante do que a morte, e em circunstâncias assim o desconcerto é ainda mais perturbador. Quem já esteve diante do corpo inerte e frio de um vivo muito querido sabe o que é estar frente a frente com a mais solitária das perguntas.

    A vida é uma vibração poderosa demais pra terminar de modo tão acachapante. Quem segue vivo bate nesta perplexidade e volta para si mesma em dor, desespero, angústia e vazio.

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    Cada uma do seu jeito, as religiões não se contentam com a morte como o fim da vida. Só os agnósticos e os ateus querem crer que tudo acaba aqui, numa desencantada descrença, quase um medo insuportável de perceber que dali pra frente é proibido saber. Pode-se supor, acreditar, confiar, intuir – ter conhecimento científico, não.

    E nesses tempos de supra-realidade, com os dedos ansiosos rolando a tela e vendo infindáveis imagens de quem acabou de morrer, fica ainda mais perturbador tentar entender que diacho é a morte.

    A morte, nesses tempos internáuticos, não é mais a mesma. A imagem viva de quem já morreu rola aos nossos olhos, freneticamente. Nesse estranho mundo de hiper-realidade virtual, a morte segue vivíssima.

    Foi assim com a muito sorridente Juliana Marins (foto abaixo) e tem sido assim, numa intensidade bem maior, com a imponente Preta Gil, com seus 12,5 milhões de seguidores, e suas muitas entrevistas, vídeos e fotos percorrendo seus 50 anos – desde bem pequena, ela esteve no epicentro da cultura musical brasileira.

    Juliana Marins - MetrópolesJuliana Marins

    Talvez eu esteja aqui tentando dizer que as duas brasileiras tão vibrantes de vida não morreram porque a força flamejante delas atravessará a existência física e seguirá vibrando em dimensões que não nos cabe decifrar.

    Seja escalando vulcões ou arrastando meio milhão de foliões no carnaval, há nas duas um fogo de viver que não morre, tanto não morre que segue estalando nas almas perplexas. A morte é apenas o fim da  vida como nos cabe conhecer.

    O que existe depois, não nos cabe saber, mas que existe, existe.

    Depois que terminei essa crônica, fui fazer um miojo – alho, manteiga e parmesão – e pensei: “Mas eu estou aqui fazendo minha janta e elas não podem mais curtir uma jantinha”. Mas, peraí, quem disse que elas não estão fazendo um banquete divino? Quem somos nós pra saber? Ou, no interrogar de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas: “Onde está a verdadeira lâmpada de Deus, a lisa e real verdade?”.

    Não sabemos, mas a morte não mata quem viveu tão intensamente, pode apostar.

    * Este texto representa as opiniões e ideias do autor.