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O caos como método (por Mary Zaidan) 

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O caos como método (por Mary Zaidan) 

O Brasil não tem qualquer importância para Donald Trump. Tampouco o ex Jair Bolsonaro. Mas ambos, Brasil e Bolsonaro, servem bem ao diversionismo do monstro laranja, cuja tática tem se repetido: dirige as atenções para onde quer espalhando estrume pelo ventilador; provoca corre-corre e medo; adia, avança e volta atrás em suas ameaças. Usa o caos para esconder seus erros, sua incompetência, sua péssima gestão.

É nesse contexto que se encaixa a ameaça de tarifaço de 50% ao Brasil, na qual Trump, diferentemente do que fez ao taxar outros países, enfiou novas polêmicas: chantagem e sanção, com exigência da rendição política. Dias depois, lançou mais um pacote tarifário para o Canadá, México e União Europeia, de 35%. Com tantos absurdos, conseguiu o que queria: desviar o foco da mídia dos seus reveses mais recentes.

Do ponto de vista popular, Trump está em queda acentuada. Sua aprovação caiu de 52% para 44% em apenas cinco meses, segundo o agregado de pesquisas do jornal New York Times. E seu maior programa, o de banir imigrantes a qualquer custo, passou a ser fragorosamente rejeitado pelos americanos, de acordo com o Instituto Gallup.

Realizada entre os dias 2 e 26 de junho, e divulgada exatamente na semana em que Trump ameaçou o Brasil, a pesquisa Gallup golpeia sem dó o mote trumpista anti-migração e sua política de expulsar indocumentados sem qualquer critério. Nada menos do que 79% dos americanos acreditam que a imigração é algo positivo para o país, maior percentual de apoio desde que o levantamento começou a ser feito, há 25 anos.

Se durante o último ano do governo do democrata Joe Biden 55% afirmavam que a imigração deveria ser reduzida, agora apenas 30% dos entrevistados defendem a diminuição. Para piorar a situação de Trump, em 2024, 88% dos republicanos queriam menos imigrantes no país, hoje, são 48%, uma queda de 40 pontos percentuais. Mais: nada menos do que 78% defendem que os imigrantes sem documentos possam se tornar cidadãos, número que bate em 90% quando a pergunta se refere a crianças nascidas nos Estados Unidos.

Na economia interna, as brincadeirinhas irresponsáveis de Trump com tarifas ainda não apareceram na inflação, controlada a ferro e fogo pelo Fed, banco central americano. Mas o PIB caiu 0,5% no 1º trimestre de 2025, segundo dados do Bureau of Economic Analysis (BEA). O resultado é 2,9 pontos percentuais menor que o registrado no 4º trimestre de 2024.

Politicamente, Trump continua vitorioso, com maioria apertada no parlamento, mas suficiente para aprovar suas regras orçamentárias e fazer vistas grossas às ilegalidades do mandatário, como as de impor tarifas comerciais, atribuição originária do Congresso. Mas entre os seus pares o alerta amarelo está acesso e em modo piscante para as eleições do meio da legislatura, que ocorrem em 2026. Os republicanos temem os efeitos eleitorais da política de deportação em massa e das taxas, que já impactam as economias locais.

Por aqui, os efeitos das ameaças tarifárias serão graves caso elas realmente se materializem – há sérias dúvidas diante do vai e vem de Trump. Mas o dano imediato é para Bolsonaro, com tiros ora na culatra, ora nos pés.

O enredo trumpista e o bate-cabeças bolsonarista beiram o hilário. Trump exige que a Justiça brasileira livre Bolsonaro. Ao elogiá-lo, o ex fica contra o brasileiros, taxados em 50%. A saída inicial foi jogar a culpa no presidente Lula. Parte do bolsonarismo aderiu à ideia, rechaçada pela família Bolsonaro, para a qual só a anistia ampla, geral e irrestrita pode salvar o Brasil. Escancara-se assim o que todos já sabiam: aos Bolsonaros, Jair e não o Brasil está acima de tudo – até de Deus.

Já para Lula, o episódio foi uma bênção. Permitiu içar a inquestionável bandeira da soberania nacional, com capacidade aglutinadora que pode ser tão poderosa quanto a defesa da democracia que o levou ao terceiro mandato. Só não deveria abusar dela, como fez durante evento no Espírito Santo ao chacotear o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, algo absolutamente desnecessário, que foge ao equilíbrio que ele e o seu governo vinham demonstrando.

Se o presidente do Brasil quiser colher frutos da presepada trumpista, é fundamental manter a calma e a prudência. Do contrário, Lula pode até animar a militância e ganhar pontinhos de popularidade, mas ambos perdem – ele e o país.

 

Mary Zaidan é jornalista 

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