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O momento pede pragmatismo (por Marcos Magalhães)

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O momento pede pragmatismo (por Marcos Magalhães)

Houve um tempo em que o brilho de Luiz Inácio Lula da Silva no exterior ajudava a projetar a imagem do Brasil e, ao mesmo tempo, fortalecer sua liderança dentro do país. Em duas reuniões de cúpula nos próximos dias ele terá dificuldades para renovar esse protagonismo.

A primeira reunião ocorrerá em Buenos Aires, quando Lula herdará de seu colega argentino, Javier Milei, a presidência do Mercosul. Vai ser a primeira vez que o presidente brasileiro estará na Argentina após a posse do novo presidente.

Ao contrário do que costumava ocorrer quando as duas maiores economias do bloco eram governadas por forças políticas de orientação semelhante, não se espera desta vez mais do que um formal aperto de mãos entre os dois presidentes.

Se Lula deixa Brasília submersa em uma crise política, marcada pelo confronto entre Executivo e Legislativo, também não vai encontrar em Buenos Aires uma boia de salvação. No máximo apostará em uma agenda aperfeiçoada para o bloco na presidência brasileira.

A agenda inclui temas que se restringem ao bloco sul-americano, como a formulação de uma política industrial conjunta em setores estratégicos como o automobilístico. E renova a esperança da conclusão do acordo com a União Europeia.

A Europa está longe de exercer papel principal na economia global deste início de século. Mas parece a aposta mais consistente do Mercosul, como bloco, para ampliar sua participação no comércio mundial.

Além dos europeus, Argentina e Brasil – como países, não como bloco – têm mantido uma segura rota de aproximação com a China nos últimos anos. Talvez reduzida, no caso argentino, após a posse de Milei.

O presidente argentino, até por proximidade ideológica, aposta em laços mais fortes com Washington. Lula, por sua vez, mantém uma relação gelada com Donald Trump.

Os presidentes dos dois maiores países das Américas nem sequer se encontraram ainda. O que reforça, na imprensa norte-americana e europeia, a impressão de que Lula, em seu terceiro mandato, se afasta cada vez mais do Ocidente.

Um dos motivos para a crítica foi a decisiva condenação, pelo governo brasileiro, do ataque norte-americano ao Irã, após o início do conflito do país com Israel. O ataque foi recebido com ressalvas por diversos países, mas o Brasil talvez tenha sido uma das principais vozes de solidariedade com o Irã.

Na próxima semana o Brasil vai receber mais uma reunião de cúpula do Brics. Ampliado, o bloco passou a ser visto como um bloco cada vez menos ligado ao Ocidente e cada vez mais influenciado pela Rússia e, em especial, pela China.

Pois os líderes dos dois países não estarão no Rio de Janeiro para a cúpula. O russo Vladimir Putin só poderá participar por videoconferência, até porque ele correria o risco de ser preso no Brasil por uma decisão do Tribunal Penal Internacional.

Xi Jinping, por sua vez, não virá. E não apresentou motivos definitivos para a sua ausência. Alegou apenas conflitos de agenda. Ou seja, duas ausências importantes na foto oficial da reunião de cúpula no Rio.

Em outras palavras, como sublinhou a revista inglesa The Economist, Lula está só. Pelo menos tem a seu favor o silêncio de Trump, tão crítico de outras lideranças mundiais. Talvez porque, como observou a publicação, o Brasil não tem peso político em questões atualmente dominantes da agenda global, como as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.

A distância desses conflitos nunca impediu Lula – talvez como fruto de certa megalomania política – de tentar interceder pela paz. Para a revista inglesa, Lula deveria se concentrar em questões mais próximas de casa.

Talvez como o Mercosul. Mas aqui também, pelo abismo ideológico entre os líderes dos dois maiores países do bloco, não se esperam grandes avanços. O momento político – interno e externo – requer de Lula uma boa dose de pragmatismo.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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