Passei os últimos três dias no Gilmarpalooza. Foi a primeira vez que participei do festival promovido pelo ministro do Supremo, Gilmar Mendes, em parceria com a Universidade de Lisboa. Até então, tudo o que ouvia e lia a respeito se resumia a festas, jantares e encontros nada fortuitos entre interesses privados e públicos.
Nem uma palavra escrita ou falada sobre o evento em si: três dias de intensos debates e troca de experiências sobre os mais variados temas. Nada sobre as salas de aula lotadas da belíssima Faculdade de Direito de Lisboa.
Em várias delas, encontrei autoridades e acadêmicos renomados nas plateias, acompanhando atentamente os debates como espectadores. Algo incomum. Em geral, no Brasil, cada um faz sua palestra e vai embora para seus compromissos.
No segundo dia, sob um calor intenso, um auditório lotado, silencioso, com atenção plena no expositor. Aqueles momentos raros em que, até onde a vista alcança, você não vê ninguém se distrair com o celular.
Quem falava era o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, uma “lenda viva do direito constitucional”. Em quase uma hora, o professor fez críticas ao ativismo judicial. Num evento com seis ministros do Supremo, alguns na plateia, disse que eles tomam decisões que “flagrantemente são uma invasão da separação de poderes”.
“O que na Constituição não é constitucional? Obviamente, eu aparentemente estou dizendo uma tolice, mas estou me referindo a uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental […] virou um instrumento pelo qual ocorre aquilo que o ministro Gilmar Mendes não gostaria de ouvir da minha parte: o ativismo judicial”, afirmou.
Em tempos em que a polarização não permite mais o diálogo, o professor deu aula ao divergir. Contou que, na plateia, havia um ex-aluno que “não pensava igualmente em política como eu, mas assistia às minhas aulas e fazia seus contra-ataques”. Não citou o nome.
Diante de um público extasiado, o professor pediu desculpas por ter excedido seu tempo em quase uma hora. Aos 91 anos, justificou que aquela era sua última palestra.
“Meus senhores e minhas senhoras, eu peço desculpas por ter excedido o tempo. Mas, de certa forma, para mim, essa reunião é um adeus da velha guarda. A jovem guarda dos constitucionalistas está aí. A velha guarda se retira e, tornando concreto o que eu digo: muito obrigado e adeus.”
Na política, a troca de bastão não tem essa sutileza. A nova guarda vai abrindo caminho como pode.
Vi a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), 31 anos, ter o discurso interrompido várias vezes. Nesse caso, contudo, não daquela forma à qual nós, mulheres, estamos “acostumadas” — mas por aplausos. Principalmente quando pregou o diálogo entre divergentes em busca de uma sociedade melhor.
A defesa do caminho do diálogo foi a tônica do lado de dentro do evento.
“Nós saímos daqui muito melhores do que chegamos. Porque ouvimos a diversidade, temos consciência de que não somos os donos da verdade, aprendemos, dialogamos. Mesmo com aqueles com os quais não concordamos, mas saímos daqui com, pelo menos, a outra visão, o outro ângulo da questão”, resumiu o decano do Supremo.
Ao encerrar o Fórum, expôs um diálogo familiar:
“No ano passado, minha neta Cecília me disse algo que me marcou: ‘Vovô, o Fórum está muito bom, mas notei que faltaram mulheres’. Este ano, tivemos praticamente uma centena de mulheres nos vários painéis, o que já é uma resposta a esse apelo da Cecília.
Ele não contou que a menina tinha 9 anos quando fez a observação.
“Espero que, além de mais mulheres, estejam também representantes da África no próximo Fórum”, pediu o constitucionalista português Carlos Blanco de Morais, um dos nomes da área mais respeitados em todo o mundo.
P.S.: As críticas a este texto serão aceitas com o entendimento, renovado em Lisboa, de que é possível dialogar mesmo com aqueles com os quais não concordamos.