Incursão precipitada, disparos sem aviso prévio e falta de preparo são algumas das formas que os investigadores usam para descrever a ação do sargento da Polícia Militar (PM) Marcus Augusto Costa Mendes, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), em ação do dia 11 de julho no Capão Redondo, na zona sul da capital, que resultou na morte do policial civil Rafael Moura.
No final daquela tarde, em uma viela na comunidade, o sargento baleou o policial civil, que estava com distintivo à mostra, por achar que se tratava de um traficante. Moura ficou cinco dias internado em estado gravíssimo no Hospital das Clínicas, onde morreu, na quarta (16/7).
As imagens da bodycam (câmera corporal) do PM ainda não foram divulgadas publicamente, como a família da vítima exige. No entanto, em representação da Polícia Civil ao juízo de direito da vara do Tribunal do Júri, os investigadores do 37º Distrito Policial (Campo Limpo), delegacia que apura o caso, descreveram o conteúdo das imagens.
“Imagens de câmeras corporais (bodycams) registraram a incursão atabalhoada do sargento, correndo insanamente em desabalada carreira, em alta velocidade, por vielas da comunidade, até que, ao se deparar com um dos investigadores, disparou quatro vezes sem verbalização prévia. Resta evidente pelas imagens a falta de preparo, técnica e procedimentos operacionais e respeito às normas e protocolos de atuação policial”, diz o documento, obtido pelo Metrópoles.
Família de Rafael Moura com policiais civis
Milena Vogado/Metrópoles2 de 4
O policial civil Rafael Moura morreu nesta quarta (16/7)
Arquivo pessoal3 de 4
Rafael Moura foi baleado por Marcus Augusto Costa Mendes, sargento da Rota
Reprodução4 de 4
Rafael Moura tinha 38 anos
Reprodução
PM da Rota prestou depoimento
A descrição bate com o depoimento de Mendes à polícia. O sargento afirmou que estava no local para patrulhamento de rotina, sem ordem específica dos superiores. Ele disse que encontrou uma chave no chão e que a utilizou para abrir um portão que dá acesso ao beco. Ao entrar, viu um vulto e passou a correr atrás do indivíduo desconhecido com a pistola Glock .40 em mãos.
O PM contou ainda que, em determinado momento, virou a direita em uma esquina do beco e se deparou com um indivíduo com vestes escuras, portando uma arma de fogo em uma das mãos, a poucos metros de distância. Diante do que chamou de ameaça, Mendes disparou quatro vezes, enquanto se abrigava debaixo de uma escada.
Moura foi atingido por três tiros – um no braço e dois no abdômen. Um colega dele foi baleado de raspão, socorrido ao Hospital Campo Limpo e, em seguida, liberado.
O sargento foi questionado sobre a conduta — por entrar no beco correndo e a decisão de como agiu. Ele respondeu que “em situação normal de reconhecimento sem suspeitos, não é procedimento padrão, mas quando há suspeito, é uma prática que pode acontecer”.
Mendes disse ainda que correu na direção do vulto com a arma em punho, pois, acreditou se tratar de um suspeito, mas afirmou também não conseguiu notar as características do indivíduo, não sabendo dizer se era o policial.
Por fim, o agente afirmou que conhecia o local “de modo superficial”, e que já tinha feito incursão na área, sabendo que ali funciona um ponto de tráfico de drogas. Ele só teria visto os distintivos no momento de prestar socorro às vítimas.
Beco em que um policial civil foi morto por um PM da Rota, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo
Material cedido ao Metrópoles2 de 4
Portão que bloqueia viela no Capão Redondo
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O policial civil Rafael Moura foi baleado por três tiros, disparados pelo sargento da Rota Marcus Augusto Costa Mendes
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Polícia Civil estava no local investigando latrocínio, e Rota estava em patrulhamento de rotina
Material cedido ao Metrópoles
Policiais civis investigavam latrocínio no local
Também em depoimento, o policial civil Marcos Santos de Sousa, que entrou com Moura no beco e foi baleado por Mendes de raspão, disse que eles estavam ali para apurar um caso de latrocínio (roubo seguido de morte) ocorrido na região do Campo Limpo.
Segundo o testemunho, os policiais estavam na região havia cerca de 20 minutos quando entraram no beco. Outros dois investigadores ficaram na entrada da viela e todos usavam distintivos. Sousa afirmou que Moura foi à frente, “e que progrediram de forma diligente e cautelosa, seguindo os protocolos operacionais da Polícia Civil”.
Quando viraram à esquerda em uma bifurcação do beco, os agentes ouviram disparos de arma de fogo. Moura caiu imediatamente. Sousa puxou o colega para fora do beco, inicialmente, pensando que se tratar de disparos de criminosos. O policial civil só viu que eram PMs quando avistou a boina e farda dos agentes.
O investigador afirma que gritou imediatamente que eram policiais civis. Foi quando os colegas que estavam na entrada do beco vieram prestar socorro. Conforme o depoimento, “os dois policiais militares se aproximaram e pareciam muito assustados”. Os PMs passaram a realizar os primeiros socorros em Moura. Só então Sousa percebeu que havia sido atingido de raspão.
O agente disse ainda que, antes de entrarem no beco, fizeram uma varredura visual e não avistaram ninguém no local. Também afirmou que “não houve qualquer tipo de abordagem ou verbalização” e que “o policial militar disparou sem falar nada”. Nenhum policial civil efetuou disparos.
Por fim, o investigador disse se lembrar que o PM Marcos Augusto Costa Mendes, autor dos disparos, ficou muito nervoso e assustado.
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“Atira primeiro, pergunta depois”
Tanto a Polícia Civil quanto o Ministério Público de São Paulo (MPSP) destacaram que, um mês antes desta ocorrência, a mesma dupla de PMs da Rota já havia se envolvido em outra ação letal a cerca de 500 metros do local, resultando na morte de um homem não identificado.
“Pois bem, com efeito trata-se do exato mesmo ‘modus operandi’ empregado pelos policiais militares, o popular ‘atira primeiro, pergunta depois’, em que ‘suspeitos’ são alvejados em suposta legítima defesa pelo simples fato de portarem armas, sem contudo restar evidenciada eventual injusta agressão ou sequer iminência desta”, diz trecho da representação da Polícia Civil.
A corporação destacou o princípio da “necessidade estrita”, em que a arma de fogo só pode ser disparada quando se mostra indispensável para proteger a vida diante de ameaça iminente, “devendo ser precedida por verbalização clara, tentativa de meios menos letais e planejamento que minimize riscos colaterais”.
Nesse sentido, a análise da bodycam do sargento e do boletim de ocorrência da ação anterior, que também resultou em morte, mostram que o PM agiu em “desproporcionalidade flagrante”.
“Diante desse contexto, a medida cautelar de suspensão do exercício da função pública revela-se necessária e proporcional, a fim de preservar a integridade da instrução criminal, evitar a reiteração de condutas lesivas e resguardar a confiança da sociedade nas instituições de segurança pública”, afirmou o MPSP na representação que pediu o afastamento cautelar dos militares.
PM da Rota matou policial civil
- Filho de Mario, o sargento Marcus Augusto Costa Mendes está sendo investigado por homicídio qualificado e foi afastado cautelarmente da Rota pelo prazo inicial de 90 dias, por determinação da Justiça, após a morte do policial civil Rafael Moura.
- Moura, agente de telecomunicações do 3º Cerco da Polícia Civil de São Paulo, estava em uma incursão com um colega no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, no dia 11 de julho.
- Em uma viela do bairro, Marcus e o cabo Robson Santos Barreto, também da Rota, encontraram Moura junto de outro policial civil.
- Os investigadores estavam com distintivo e chegaram ao local em viatura caracterizada. Ainda assim, Marcus atirou quatro vezes, e alegou que acreditava se tratar de traficantes.
- Moura foi atingido por três tiros, e foi internado em estado gravíssimo no Hospital das Clínicas, onde morreu nessa quarta (16/7).
- O policial civil foi velado na Academia da Polícia Civil, na zona oeste de São Paulo, e sepultado no Cemitério da Saudade, em Taboão da Serra, na região metropolitana.
- Com a investigação, Marcus e Robson podem ser expulsos da PM e presos por homicídio. As imagens da bodycam dos agentes ainda não foram divulgadas publicamente.
- Um mês antes do episódio em que Moura foi baleado, a dupla Marcus e Robson esteve em outra ocorrência com resultado letal no Capão Redondo, a 500 metros da viela onde encontraram os policiais civis. O fato pesou para que os agentes fossem afastados e investigados.