O projeto-piloto que permite, entre outras coisas, que policiais militares que atuam no centro da capital paulista prendam procurados da Justiça — conduzindo-os diretamente ao sistema prisional — foi prorrogado por mais um mês.
A medida, adotada em caráter de teste na área do Comando de Policiamento de Área 1 (CPA/M-1), no centro paulistano no dia 4 de junho, foi revelada pelo Metrópoles, provocando reações negativas entre policiais penais e civis. Juristas ouvidos pela reportagem também consideraram a medida “absurda”.
No período de 20 dias, policiais militares capturaram 6 foragidos da Justiça. Em reuniões técnicas, constatou-se que o programa reduziu em até 1h30 o empenho da PM em prisões.
A reportagem teve acesso exclusivo ao primeiro relatório de resultados do projeto, concluído nessa segunda-feira (30/6), mesmo dia no qual ele também foi prorrogado, por meio de um ofício assinado por Paulo Maurício Maculevicius Ferreira, chefe de gabinete do secretário da Segurança Pública Guilherme Derrite (PP).
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Governador de SP Tarcísio de Freitas (Republicados) a esquerda e Guilherme Derrite
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PM da reserva Guilherme Derrite
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Guilherme Derrite é o titular da SSP
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O secretário da Segurança, Guilherme Derrite, é conhecido pela exaltação à letalidade policial, o que especialistas afirmam que pode ter pesado nas estatísticas
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O secretário da Segurança Pública de SP, Guilherme Derrite (PP)
Pablo Jacob/Governo de SP6 de 13
Secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, no no Fórum Esfera neste sábado (7/6)
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O titular da SSP de SP, Guilherme Derrite
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O secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite
William Cardoso/Metrópoles9 de 13
Derrite e Eduardo bolsonaro
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O comandante-geral da PM de SP, Cássio Araújo, e o secretário de Segurança Pública de SP, Guilherme Derrite
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Derrite determinou cassação de aposentadoria de policial condenado a 18 anos de prisão já teve 30 ações abertas na Justiça
Agência Brasil12 de 13
Derrite: “Câmeras protegem o bom policial”
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O secertário Guilherme Derrite e o governador Tarcísio de Freitas
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Resultados
No relatório de resultados — assinado por representantes das polícias Civil, Militar, Técnico Científica e Penal — consta que, entre os dias 4 e 24 do mês passado, foram capturados seis foragidos da Justiça, conforme os protocolos do projeto-piloto.
A ação conjunta das Secretarias da Segurança Pública (SSP) e Administração Penitenciária (SAP) foi programada para os dias 4, 12, 16 e 24 de junho.
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No primeiro dia, foram capturados dois foragidos que respondem a processos civis (como pensão alimentícia, por exemplo) e três na esfera criminal.
Como já mostrado pelo Metrópoles, no primeiro caso os capturados foram levados diretamente para o Complexo Penal 2 de Guarulhos, na Grande São Paulo, e, no outro, para o Centro de Detenção Provisória 4 de Pinheiros, na capital paulista. Todos foram submetidos a audiências de custódia, no dia seguinte, nas quais foram mantidos atrás das grades.
A sexta e último prisão, seguindo as diretrizes do projeto-piloto, ocorreu no dia 16. O capturado responde a um processo civil e foi encaminhado à unidade carcerária da região metropolitana. A prisão dele também foi mantida após audiência de custódia.
Redução de tempo
- Nos 20 dias de testes, os representantes das forças de segurança paulista realizaram três reuniões técnicas.
- Nelas, apresentaram reduções no período de tempo em que as polícias se empenham no atendimento a ocorrências.
- Os policiais militares, conforme o relatório, ganharam entre 45 minutos e 1h30 no registro de prisões e apresentação dos foragidos.
- Já a Polícia Civil ganhou uma hora, pelo fato de não realizar a formalização das capturas.
- Isso, ainda segundo o documento, promove a “liberação de empenho dos policiais civis para atendimento de outras ocorrências e para investigação”.
Ilegalidades
Policiais penais ouvidos pelo Metrópoles apontam ilegalidades no projeto-piloto. Na prática, as capturas não são formalizadas na Polícia Civil e a participação em audiências de custódia só ocorrere depois que o foragido já está na cadeia.
As medidas, adotadas em caráter de teste, foram consideradas ilegais e passíveis de criar “um perigoso precedente” pelo Sindicato dos Policiais Penais de São Paulo (Sinppenal). Até o momento, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do estado não se manifestou.
O sindicato lembra que o trâmite natural em casos de prisão de foragidos é que os presos sejam encaminhados primeiramente a uma unidade da Polícia Civil. Isso ocorre em razão de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determina que, antes do ingresso de um criminoso no sistema carcerário, é necessária a expedição de uma guia de recolhimento ou de internação do preso, documento expedido pela autoridade judiciária.
Como revelado pelo Metrópoles, o projeto permite que PMs levem os presos, sem a guia de recolhimento, diretamente para a cadeia, deixando aos policiais penais a atribuição de conduzir os detidos, em até 24 horas, para uma audiência de custódia, como estabelece o Código de Processo Penal.
Sem a guia de recolhimento, a administração penitenciária não consegue confirmar a legalidade da prisão, “expondo agentes penais à responsabilização por acolher presos sem amparo legal”.
Riscos legais
O sindicato dos policiais penais afirmou, em nota, que os profissionais do sistema carcerário “são colocados em um limbo jurídico” ao receber presos sem documentação válida.
O comunicado interno da PM que circulou no CPAM-1, estabelecendo as regras para o projeto piloto, dizia que os PMs iriam entregar os presos juntamente com um BO da PM. O documento, segundo juristas ouvidos pelo Metrópoles, não tem valor juridico, como disciplina a resolução do CNJ. Além disso, a Lei de Execuções Penais determina que, sem guia de recolhimento, o ingresso no sistema carcerário é ilegal.
“Isso pode levar a questionamentos judiciais sobre a legitimidade da custódia e responsabilização individual de servidores por descumprimento da lei”, diz trecho de nota do sindicato.
As críticas do sindicato se somam às de policiais e juristas, que consideraram o projeto “inconstitucional”. “Fere direitos fundamentais e determinações claras do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Porém, não causa surpresa, tendo em vista o histórico de arbitrariedades que tem marcado a atuação da PM no Estado de São Paulo nos últimos anos”, disse Conrado Gontijo, professor da PUC-SP e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). “Caberá ao Poder Judiciário, uma vez provocado, declarar a ilegalidade dessa medida e garantir a todos os presos a realização da audiência de custódia”.
O comunicado sobre o projeto-piloto circulou de forma velada na corporação, sem publicação ou anúncio oficial da medida – até o caso ser divulgado pelo Metrópoles.
O que diz a SSP
A SSP afirmou, em nota enviada à reportagem, que a “iniciativa” resultou de “um processo técnico e colaborativo construído ao logo da atual gestão entre as instituições [policiais]”. A região central da capital paulista, acrescentou, será usada como área para testar “um fluxo operacional inédito”.
- Segundo a SSP, a iniciativa “automatiza o envio de informações sobre criminosos presos” além de permitir que procurados da Justiça, com mandado de prisão vigente, sejam encaminhados diretamente para a cadeia, “desde que não haja outras ocorrências associadas”.
- O argumento para a implementação do projeto é o de que agilizará procedimentos, não especificados, otimizará recursos e reforçará a integração entre as polícias, “permitindo o rápido retorno dos policiais militares ao patrulhamento e dos policiais civis às investigações”.
- Presos em flagrante, ou em cumprimento de mandados de prisão temporária serão, segundo a SSP, encaminhados à Polícia Civil.
- A pasta chefiada pelo PM da reserva Guilherme Derrite disse ainda que, ao término dos 15 dias de teste, vai avaliar os resultados por meio do Centro Integrado de Comando e Controle.
- Com isso, será analisada a “viabilidade operacional do modelo”, com a proposição de ajustes, ou ainda a ampliação dele.
Casa de luxo de Derrite
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PP), está construindo uma casa de luxo (veja abaixo) dentro de um condomínio fechado em Porto Feliz, cidade a 115 quilômetros da capital paulista que virou reduto de milionários.
O Metrópoles apurou com uma fonte ligada à obra que o projeto de arquitetura e a construção devem custar ao menos R$ 3 milhões. O valor corresponde a mais que o triplo dos R$ 812 mil em bens declarados por Derrite há três anos, quando ele se reelegeu deputado federal.
Localizado em um condomínio de alto padrão, o terreno de 800 m² foi comprado pelo secretário em junho de 2023, por R$ 475 mil, diretamente da incorporadora. Segundo a escritura do imóvel, o pagamento foi feito à vista, por meio de transferência bancária. Um mês antes, Derrite havia vendido um apartamento na Vila Leopoldina, zona oeste paulistana, por R$ 650 mil.
No último ano, o espaço foi ganhando forma de uma vistosa residência que terá 440 m² de área construída, com design de linhas retas, assoalho e paredes em madeira cumaru, janelões de vidro, e uma piscina no jardim (veja nas imagens abaixo).
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Construção de casa de Derrite está em fase final
Kléber Augusto/Especial para o Metrópoles2 de 12
Imóvel custará ao menos R$ 3 milhões
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Casa de Derrite vista de cima
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Projeto arquitetônico prevê uma piscina retangular no jardim
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Casa terá pelo menos R$ 140 mil em madeira Cumaru
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Imóvel contará com porcelanato de 1,2 m por 1,2 m
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Derrite visita construção semanalmente
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Imóvel fica localizado em um condomínio de alto padrão em Porto Feliz (SP)
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Porto Feliz se tornou reduto dos bilionários no interior do estado
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Condomínio conta com piscina olímpica, quadras de tênis e um grande lago
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Terreno foi adquirido em junho de 2023, por R$ 475 mil
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Hoje, terrenos do mesmo tamanho são vendidos por R$ 600 mil
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O condomínio tem quadras de tênis, piscina semiolímpica coberta e aquecida, academia e um grande lago, que fica a poucos metros da futura casa de Derrite. Terrenos com tamanho idêntico ao do secretário são vendidos hoje por cerca de R$ 600 mil. Já as residências prontas de porte semelhante são anunciadas por até R$ 4 milhões.
Em nota enviada ao Metrópoles após a publicação da reportagem, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que “todas as aquisições patrimoniais realizadas por Guilherme Derrite e por sua família são plenamente compatíveis com a renda declarada ao longo de sua trajetória, fruto de cerca de 20 anos de trabalho e economia familiar”. A SSP disse que o valor mencionado pela reportagem não é verdadeiro e que o condomínio onde o imóvel está localizado não é de alto padrão.
Ascensão patrimonial
Quando entrou para a política, em 2018, o então tenente da PM Guilherme Derrite havia declarado um patrimônio de R$ 354 mil, que consistia em um apartamento em um bairro de classe média da capital paulista e um carro.
Os anos seguintes como deputado federal foram marcados por uma ascensão financeira que dobrou seus bens em quatro anos, para R$ 812 mil, sendo um imóvel de R$ 454 mil e o restante em aplicações financeiras ou saldo em conta bancária.
O que diz a SSP
“Todas as aquisições patrimoniais realizadas por Guilherme Derrite e por sua família são plenamente compatíveis com a renda declarada ao longo de sua trajetória, fruto de cerca de 20 anos de trabalho e economia familiar. Todos os bens foram adquiridos com recursos próprios e dentro da legalidade, conforme registrado junto às autoridades competentes.
O terreno onde está sendo construída a casa mencionada pela reportagem foi comprado com recursos obtidos pela venda de um apartamento na zona oeste de São Paulo, após término de financiamento imobiliário de dez anos. A construção do imóvel em Porto Feliz, cidade de origem da esposa de Derrite, começou no primeiro semestre de 2024 e vem sendo executada de forma gradativa, assim como os investimentos realizados na obra.
É incorreta a associação direta do valor mencionado à casa em construção, pois esse montante corresponde a imóveis já prontos no mesmo condomínio, não refletindo o estágio atual e o custo total da obra em andamento. Também é importante mencionar que a casa não está localizada em um condomínio de altíssimo padrão, conhecido na região, como dá a entender a reportagem, mas sim em um condomínio localizado na área urbana da cidade”.