Um pacto criminoso que atravessou a estrutura da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) desviou mais de R$ 110 milhões dos cofres públicos. A investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) revelou que a corrupção não se limitava a um servidor isolado, mas era alimentada por uma rede de operadores e empresas que atuavam em conluio para controlar contratos e pagamentos.
No centro do esquema, estava Francisco José da Costa, conhecido como “Chiquinho”, servidor de carreira que, segundo o Ministério Público, transformou a Diretoria Financeira da Novacap em um balcão de negócios. Ele manipulava processos, acelerava liberações e priorizava determinadas empreiteiras em troca de propinas que chegavam a 2% do valor de cada contrato.
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O Gaeco descreve o funcionamento da fraude como uma “engrenagem bem azeitada”, onde cada peça tinha um papel definido. Francisco José era o elo interno da estatal, mas quem ditava as ordens eram os operadores do cartel. Jonas Felix dos Santos, Luciano Neves Garcia e Marcos Boechat Lopes de Souza agiam como representantes das empresas, garantindo que nada saísse do planejado.
Jonas Felix, que operava para ao menos seis empreiteiras — entre elas Central Engenharia e Construteq — tinha acesso privilegiado às decisões da Novacap. Foi ele quem indicou Francisco José para o cargo estratégico na Diretoria Financeira, consolidando a presença do grupo dentro da estatal.
Em mensagens interceptadas, Jonas não apenas cobrava a liberação de pagamentos como também orientava quem deveria ser beneficiado. Francisco José, em tom submisso, respondia pedindo instruções: “O que faço com esses contratos?”. “Pagar”, determinava o operador, sem espaço para questionamentos.
Negociações
Além de Jonas, a dupla Luciano Garcia e Marcos Boechat atuava para as gigantes NG Engenharia e Sigma Incorporações. Luciano conduzia as tratativas diretamente com Francisco José, enquanto Marcos, apelidado de “Zé do Bode”, cuidava da etapa mais sensível: a entrega do dinheiro. Os encontros, quase sempre realizados após a liberação dos valores pela Novacap, seguiam uma rotina repetitiva que se manteve por anos sem ser detectada.
Para mascarar a origem dos recursos ilícitos, parte das propinas era transferida para contas de “laranjas”, inclusive das irmãs de Francisco José, Emilene Ferreira da Costa e Maria Emília Neta do Nascimento, que receberam quase R$ 1 milhão em depósitos fracionados. O dinheiro, depois, era pulverizado em novas transações ou retirado em espécie para dificultar o rastreamento.
Cartel
A parceria entre as empreiteiras, que em tese deveriam competir entre si, é um dos pontos mais graves da apuração. Segundo os promotores, elas atuavam como um cartel organizado para fraudar licitações, eliminar concorrentes e dividir os contratos mais rentáveis da estatal. Em uma das conversas mais emblemáticas, Jonas Felix resume o conluio em uma única frase: “Estão todos no mesmo barco”.
Para o Gaeco, essa mensagem comprova que não havia disputa, mas uma aliança para explorar o patrimônio público. As empresas, representadas pelos mesmos operadores, garantiam que o dinheiro sempre retornasse para o grupo, criando um ciclo de favorecimentos que se retroalimentava.
A sofisticação do esquema chamou a atenção dos promotores, que compararam Francisco José a Arnold Rothstein, o lendário gângster americano apelidado de “O Cérebro”, conhecido por arquitetar operações criminosas complexas. Para os investigadores, a forma como o servidor controlava pagamentos e articulava pessoas dentro e fora da estatal lembra a estrutura de organizações mafiosas.
A Novacap, responsável por obras e serviços de infraestrutura no Distrito Federal, foi convertida, segundo o Ministério Público, em uma extensão dos interesses privados do grupo. O pagamento de propina deixou de ser uma exceção e passou a ser tratado com naturalidade.
A coluna busca localizar a defesa dos envolvidos. O espaço segue aberto.