As camisas amarelas, para quem é muito jovem e não viu, já uniram o povo brasileiro na conquista de cinco copas do mundo. Também já foram símbolo da luta pelo fim da ditadura e pelas eleições diretas. Até serem abduzidas pela direita radical, que se apelida de patriota. Mas ela pode mesmo ser chamada de patriota?
Para responder a essa pergunta, é bom prestar atenção às reações, aqui no Brasil, às palavras lançadas ao mundo, na segunda-feira, pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na rede que ele também gosta de apelidar de Verdade Social.
Trump disse que o ex-presidente Jair Bolsonaro é vítima de uma “caça às bruxas” e que seu julgamento – pela ameaça de planejamento de um golpe de Estado – deveria ser feito apenas “nas urnas”, e não pela Justiça brasileira.
De caça às bruxas ele parece entender. Basta perceber as ameaças às universidades dos Estados Unidos, o êxodo de cientistas estrangeiros e até a proibição de entrada no país de um atleta brasileiro porque havia participado de uma competição em Cuba.
Trump parece também gostar bastante de dar palpite sobre outros países – inclusive antigos aliados. A começar pelo Canadá, seu grande vizinho do Norte, que ele gostaria de transformar em 51º estado da nação que preside. Não por acaso, a centro-esquerda canadense venceu as eleições pouco depois das declarações do presidente americano.
Agora Trump diz que Bolsonaro não tem culpa de nada, a não ser de ter “lutado pelo seu povo”. À sua inspiração, talvez. Pois o que ocorreu no Brasil, em janeiro de 2023, guarda mais do que coincidências com o que ocorreu em Washington depois de Trump perder as eleições em 2020.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse o que precisava dizer. Que a defesa da democracia no Brasil “é um tema que compete aos brasileiros”. Que não aceitamos interferência e temos instituições sólidas e independentes. E que ninguém está acima da lei. “Sobretudo os que atentam contra a liberdade e o estado de direito”.
Uma declaração de esquerda? Não, apenas a resposta de um chefe de Estado – independentemente de sua posição ideológica – a uma pouco sutil ingerência nos assuntos internos do país.
Deveria ser simples assim. Até porque existe um processo em andamento na Justiça brasileira, segundo as leis brasileiras, com amplo direito de defesa. Não existe nada semelhante às regras do longo período autoritário, sob governos militares que Bolsonaro sempre defendeu.
Mas nesses tempos estranhos nada parece simples.
Já seria previsível, naturalmente, que o ex-presidente reagisse com entusiasmo às palavras de seu ídolo de Washington. Ele disse ter recebido “com muita alegria” as palavras de Trump e que a luta do presidente americano por paz, justiça e liberdade “ecoa por todo o planeta”.
O que dizer, porém, do restante da direita brasileira, que gosta de se intitular de patriota? Alguma palavra em defesa da soberania brasileira? Das instituições nacionais?
Até agora, nada. Até pelo contrário, segundo se pode interpretar das palavras do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas – aquele que vem sendo cortejado como exemplo de direita moderada e moderna por vários setores empresariais.
Freitas ecoou Trump ao afirmar que Bolsonaro – que o levou à política – deve ser julgado “somente pelo povo brasileiro, durante as eleições”. E desejou “força” ao antigo chefe.
No pragmatismo cínico que tomou conta da política brasileira, as palavras do governador de São Paulo e possível candidato às eleições presidenciais de 2026 precisariam ser vistas apenas como um aceno ao próprio Bolsonaro e aos eleitores bolsonaristas. Nada de relevante.
Mas o que temos, de fato, é o apoio de um potencial candidato a presidente da República às declarações do presidente de um outro país que questiona as instituições brasileiras.
Tarcísio de Freitas diz que Bolsonaro deve ser julgado somente pelo povo brasileiro, durante as eleições. Isto significa que, na sua opinião, o ex-presidente não deve ser julgado pela Justiça? E como ele seria julgado pelo povo, se não pode participar das eleições?
Se esta é uma declaração retórica, como desejarão fazer crer seus seguidores, também será uma declaração bastante irresponsável. Até porque cabe ao presidente da República – cargo que ele parece pretender ocupar um dia – defender a soberania do Brasil.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.